28 março 2008

Chão de pedras

Correu e caiu.
O braço ficou machucado e sangrava.
Ele se levantou e ficou olhando o ferimento, não sabia o que fazer.

Continuou correndo, suor e sangue escorriam pelo braço. Nos seus pensamentos uma dúvida: por que mudaram o horário?

45 anos de idade, e tudo que ele fazia agora era correr. Uma estrada de terra, poucas árvores, chão cheio de pedras.

Ele cansou, parou e decidiu não mais correr, o sangue escorria e coagulava. Enxugou o suor do rosto com a própria camisa.

Um velho empurrando uma bicicleta vinha em sua direção bem lentamente quando viu o seu braço machucado e perguntou se ele precisava de ajuda. A resposta foi que estava tudo bem, mas que ele precisava de água. O velho disse que sua água acabou há 5 quilômetros, e que se a sede fosse grande, era melhor voltar.

Voltar?

Aquele sangue coagulado era o seu orgulho. Parou para desprezar o tempo, mas ferir seu próprio orgulho seria algo demais.

O velho observava com olhos tristes e depois de um tempo se aproximou. O homem do braço machucado se afastou para sentar numa pedra, visivelmente ele não estava bem. O velho deixou a bicicleta ao lado do homem e seguiu seu caminho.

Horas se passaram.
Um homem com sede ao lado de uma bicicleta deitada no chão de pedras.
A noite parecia longe e mais longe ficou quando seu braço voltou a sangrar.

17 março 2008

Esquina






































Eu tinha 10 anos. Quinta série, período da tarde, Manaus.

Pouco antes de chegar no colégio, na esquina da avenida Eduardo Ribeiro com a rua Saldanha Marinho, a Kombi que me levava estava parada no sinal.

Eu era o último e o único a ser entregue naquela escola, portanto ali estava eu sozinho com o motorista,que do nada virou pra mim e disse:

"Se eu tivesse a tua idade, faria tudo diferente."

O sinal abriu, fui pra aula e essa imagem nunca mais saiu da minha cabeça.

Pequeno bilhete

E o correio havia chegado, com uma carta apenas.
O carimbo indicava uma agência do Amapá.
Dentro do envelope havia apenas um pequeno bilhete:

Ontem choveu, fiquei sem o carro, mas a viagem está confirmada.

Como é bom esperar por alguém que se expressa com poucas palavras.

(Início de uma história amazônica de 1986, autor desconhecido)

10 março 2008

Enveredar

Era ela, que estava numa parada de ônibus às seis da tarde não tão longe de onde eu estava, e começou a me dizer como estava frustrada.
Eu disse: Mas você sabe muito bem que eu não posso te ajudar.

A voz dela ficou mais grave, e então fiquei sabendo que ela estava cheia de sacolas do supermercado e impaciente com a espera do ônibus, que não parava de passar, mas sempre lotado. Mencionou novamente a sua frustração.

Propus que ela me esperasse na parada de ônibus, eu chegaria em 10 minutos.
Ela disse: Não!

Desligou dizendo que o ônibus havia chegado.

Eu disse: Alô.
Ele estava na casa da mãe dele, a dez minutos da parada de ônibus onde eu estava com várias sacolas de supermercado na mão.

Procurei entender porque eu estava com aquele sentimento horrível de frustração e ele seria uma pessoa ideal pra me ajudar nisso.
Mas por que a gente sempre acha que tem que ser ajudada? Aquele telefonema me trouxe outra frustração.
Pensei: Caralho!

Ele disse: Chego aí em dez minutos.
Desliguei com a desculpa que o ônibus havia chegado, e o coletivo realmente estava ali parado, mas muito lotado, vou esperar o próximo.

Eu pensei: Por que será que ela fala tanto no celular?
É a terceira vez desde que estou aqui esperando por um ônibus vazio, quero ir sentado e pronto!
Ela parecia aflita com alguma coisa, loira tingida, bonita, com uma sandália de plataforma que lhe dava mais uns 7 cm.
Ela estava suada e isso me atraía, tomara que peguemos o mesmo ônibus!

Virtude em Cícero

E, assim como cada espécie tem alguma propriedade que a distingue essencialmente, assim o homem tem uma, mas muito mais excelente: se assim se pode falar com propriedade da nossa alma, que, sendo uma emanação da mente divina, é de ordem superior, ela não pode ser comparada, ousamos dizer, senão com a mesma divindade. Esta alma, pois, quando a cultivamos, e quando a curamos das ilusões capazes de cegá-la, alcança este alto grau de inteligência que é a razão perfeita, e à qual damos o nome de virtude. Ora, se a felicidade de cada espécie consiste no modo de perfeição que lhe é próprio, a felicidade do homem consiste na virtude, uma vez que a virtude é a sua perfeição.

(Cícero, Tusculanas Livro V, XIII)

08 março 2008

Neblina Vermelha

Minhas pernas tremiam levemente.
Tudo o que meus olhos enxergavam era um abismo preenchido de neblina vermelha.

Os pensamentos apenas imaginavam aquela viagem, o corpo em queda livre e a neblina tocando a minha pele, um frio que me faria rever um passado, onde eu conhecia todas as minhas decisões e opções, escolhas feitas para viver até chegar na última das tentações.

Não, isto não podia ser um fim.

Quis acreditar que o abismo se tornaria um imenso túnel, uma travessia. O novo e o desconhecido estariam ali, do outro lado daquela atmosfera vermelha. Tempo? Sempre fiz minhas escolhas baseadas no tempo, agora o tempo seria o meu controlador, ele me forneceria essa nova experiência, não desejava pensar nele. E um frio atravessou minhas costas...

O concreto estava liso e os meus pés estavam prontos para escorregar para o mergulho. Aquele momento estava silencioso e a neblina parecia cada vez mais densa. Vermelho sempre foi a minha cor preferida, seria por acaso? Busquei o significado do vermelho pra mim, talvez representasse tudo o que eu acredito. Listei um a um até chegar no sangue.

Minhas pernas pararam de tremer.

03 março 2008

O passo em falso de Uribe

A Colômbia vai ferver.

A ação militar colombiana na fronteira do Equador foi um erro diplomático delicadíssimo, recentemente as FARC libertaram reféns de forma unliateral e o diálogos começavam a ter bons resultado. Mas de repente, Uribe acende o fósforo e despeja suas bombas em acampamento das FARC, como se dá isso?

A resposta é difícil e sem dúvida não se pode prever quais os resultados, Chavez e Correa reagiram de forma enérgica, mas são discursos de chefes de Estado, eleitos democraticamente, e foram vozes para dizer a Uribe que seus vizinhos não estão de acordo com ações "texanas", acampamento das FARC não é Iraque nem Afeganistão. E considero remota a possibilidade de uma guerra na América do Sul como profetiza Chavez, mas o que temo é a reação das FARC, acredito que não será com discursos inflamados na TV, e sim com as suas próprias armas e sequestros.

Uribe deu um passo em falso, e tomara que não tenha como resposta mais colombianos mortos por uma violência histórica e que deve ser interrompida não com bombas caindo do céu em território equatoriano, e sim com a flexibilidade do diálogo, ação esta que seu vizinho venezuelano, cheio de bravatas, petróleo e armas, se mostrou disposto a realizar.

Lembremos mais do sonho unificador de Bolívar do que da violência de suas batalhas, para nos unirmos temos armas que não matam.