30 setembro 2009

O dia em que os feriados acabaram

Com mochila nas costas e sentado num banco de plástico vermelho. Era assim que eu estava comendo um delicioso pastel no Pastel da Maria.

Estádio do Pacaembu ao fundo, garoa fina e clima frio.
Curioso para quem poucos dias antes desfrutava do calor e sol potiguares, mas nada de reclamar, pois com certeza essa terça-feira ficará guardada de forma feliz junto com outras boas lembranças.

Finalizei meu gelado suco de uva, paguei e deixei para trás a barraca da Maria, que naquele momento estava nos preparativos para uma entrevista ao vivo na Band. Me dirigi ao estádio, mais especificamente ao Museu do Futebol para falar com Luciano, responsável pelos eventos no museu, sobre as sessões do programa "Unidos na Paixão" dentro da programação de aniversário de um ano desse local que se tornou uma parada obrigatória a todos que visitam nossa cidade.

Após acertar os detalhes fui conhecer o museu.
Pois é, declaradamente fã de futebol, morador de São Paulo, o Pacaembu é perto tanto da minha casa quando do meu trabalho, e ao longo de um ano eu nunca havia entrado ali. Mas enfim, essas coisas acontecem. Obviedades e pragmatismos são assuntos do século passado (aquele chamado vinte).

Da entrada ao final, a experiência no museu é muito particular.

E a terça-feira se tornou única pelo momento que vivi à frente de uma tela na qual o visitante pode escolher um gol para ver ou rever, sempre comentado por alguma figura do meio boleiro. De primeira escolhi Flamengo 1 x 0 Vasco na final do carioca de 1978, que deu início a um dos períodos mais cheios de glórias do meu mengão, e é sempre bom ver o vicevasquinho tomar gol. Em seguida o gol do Nunes na conquista do primeiro brasileiro em 1980 (Flamengo 3 x 2 Atlético/MG). Por fim resolvi ver o gol do italiano Paolo Rossi na derrota brasileira na Copa da Espanha.

Segundos depois meus olhos estavam úmidos.

Se existe uma recordação de infância marcante, sem dúvida foi aquela segunda-feira 5 de julho de 1982. A partir do ponto de vista de um garoto de 7 anos, tudo em volta era euforia naquela copa, a primeira da qual me lembro. A festa havia começado bem antes do mundial, todos falavam da seleção e a minha ansiedade em saber como era uma copa crescia a cada dia. Começa o torneio, ruas pintadas, tudo colorido e os dias de jogos da seleção eram feriados na essência.

Até que chega o jogo contra a Itália.

Ver novamente aquelas cenas no museu me jogou diretamente para a casa no bairro do Vieralves em Manaus, onde eu estava com a minha mãe e outros amigos dela. O Brasil passava sufoco, mas era o Brasil de Falcão, cuja comemoração do gol de empate é a imagem mais marcante que tenho, com ele eu gritei e pulei assim como todos em minha volta, a seleção chegaria lá. Não chegou.

O gol de Paolo Rossi era inaceitável. Um silêncio estranho.

Terminou o jogo e tudo era esquisito, não parecia real. Eu não conseguia me acostumar com a idéia que não haveria outro jogo do Brasil naquela copa.
Os feriados acabaram!

O vídeo também acabou e eu fiquei parado por um breve momento, era minha infância revisitada de uma forma diferente. Uma época distante, que pertence ao século chamado vinte, assim como aquela copa.

E na ansiedade de ter uma copa muito mais perto de mim em 2014, saí do museu com a plena convicção de que muita coisa vale a pena nessa existência, não importa o século.

21 setembro 2009

Goiamum: primeiras noites

Já passam das 21h de um domingo, e ao ar livre um grupo de pessoas discute vários temas ligados a um documentário chamado "Sangue do Barro", de Fábio DeSilva e Maryland Brito, que foi exibido ali em praça pública. Esse vídeo é uma produção do Rio Grande do Norte para o DocTV e é sobre um fato que aconteceu em uma cidade do interior potiguar onde um homem chamado Genildo fez uma chacina e matou 14 pessoas. O debate é caloroso principalmente por levantar a questão da homofobia, que aparece no documentário como um das possíveis motivações de Genildo, cujos rumores na cidade de que ele havia largado a esposa por ser homossexual lhe causaram transtornos que resultaram na matança.

Noite de segunda. Mesma praça.
Na tela trechos de "A Idade da Terra" de Glauber Rocha, e um senhor, que se protege do sereno utilizando uma curiosa cartola verde amarela, trafega entre as cadeiras para o público e, por algumas vezes, passa em frente ao projetor gerando na projeção lindas silhuetas negras de sua cartola. Até que surge na obra de Glauber Rocha Antônio Pitanga totalmente desnudo pulando de cima de uma árvore. Eis que a Cartola Negra se fixa na Tela Branca. Escondendo em alguns raros momentos o sexo de Pitanga, o nosso personagem da cartola se transforma também em uma das enigmáticas e alegóricas criações de Glauber. Pedro, um entusiasmado jovem organizador do Goiamum, se aproxima do homem da Cartola, não sabe o que fazer, trocam algumas palavras, mas o homem continua em frente ao projetor e a Cartola Negra continua na tela. Pedro desiste e depois de mais um tempo o homem que interagiu com Glauber também desiste, segue seu caminho e sua cartola verde amarela continua em sua cabeça recebendo o frescor do sereno de Natal.

Exibição ao ar livre tem seu charme, e em Natal não poderia ser diferente com o Goiamum Audiovisual, que tem uma peculiar energia. Energia que vem de um lado pelo Cineclube Natal, responsável em pensar a programação, e por outro lado com a Zoon, uma produtora local muito antenada com novas alternativas de desenvolver o audiovisual no estado. Junção bem desenhada e que promove uma diversificada malha de atividades ao longo de duas semanas na capital potiguar.

O telefone tocou, hora de ir para mais uma noite ao ar livre.

19 setembro 2009

Lagoa

O sol cansava a vista, toda a luz daquele momento parecia conspirar contra qualquer possibilidade de lucidez.

Um rei esperava a sua rainha. Mas que tipo de distância os separava? O rei sabia que em algum momento praticou o pior tipo de soberania sobre os protegidos de sua rainha. Fez tratados sórdidos, trocou favores escusos e tramou contra a vida de muitos que apenas tinham a própria existência como moeda de troca.

A rainha sentia o peso da humilhação.

Enxugou o suor de seus seios e ficou parada debaixo de uma árvore, seus pés latejavam de dor. Resolveu não mais seguir. Não conseguia imaginar a distância naquele momento. A rainha descansou e quis não acreditar que seu sono acontecia longe de seus ricos e confortáveis leitos, mas tudo era mais forte.

O rei mordia os próprios lábios. Na sua mão suada um pedaço de papel que ele desejou nunca ter existido começava a se umedecer. Nas linhas escritas às pressas estava uma grave advertência: que o rei não tentasse nenhum resgate, ela tiraria a própria vida.

Dramático mas honesto, pensou a rainha.

Ao acordar lembrou de cada linha que escrevera. O sol ainda ardia em sua nuca e quis refrescar os pés. Como encontraria uma lagoa naqueles rincões do reino? Não sabia o que fazer e lembrou de um provérbio que escutara quando era criança.

“A única distância entre você e o paraíso é o piscar dos seus olhos, e quando esse piscar tem a duração de um sonho, descobres que o paraíso também envelhece”.

Ela voltará, repetia o rei. Nunca se soube de onde ele tinha isso como certo, talvez a sua loucura estivesse nas suas certezas. E todos dizem que quando o sol se escondeu atrás das nuvens e um leve frescor surgiu no enorme salão, o rei gritou e expressou sua raiva golpeando fortemente sua cabeça contra a mesa de madeira.

Seguindo a trilha de sua fuga, a rainha caminhou em passos apressados. Nenhum cansaço lhe tiraria a determinação de encontrar a lagoa para seus pés. Molhou um lenço em sua testa e o sugou com toda a força de sua boca.

No salão do reino uma espessa mancha de sangue escorria pela mesa.

Na frente dos olhos da rainha nenhum paraíso surgia.

O reino estava sem herdeiros.

E por longos séculos uma rainha foi vista vagando pelos cantos mais remotos daquele reino. Sempre em dias de forte sol e calor.

05 setembro 2009

Flerte de um silêncio

Costumava ser uma sombra
Flertou com uma brisa
E o silêncio de uma dor surgiu

Suportou

Ali havia esperança

03 setembro 2009

Água Provinciana

Um carro pára na chuva, o motorista olha pelo retrovisor e vê a pista seca, ele dá ré até o local seco e resolve descer do carro. Ele encontra um guarda-chuva e vê seu carro indo embora, sozinho.

A chuva dá ré e o motorista começa a correr, a chuva tenta alcançá-lo quando de repente ele vê o seu carro vindo em sua direção.

Ele abre o guarda-chuva e corre na direção do carro, mas o carro vai freando até parar bem na frente dele. Ofegante, ele olha para trás e percebe que não tem mais chuva, fecha o guarda-chuva e entra no carro. Quando ele dá a partida começa a chover intensamente somente dentro do automóvel.