29 janeiro 2010

Tiradentes 27

Que dia lindo!
Sol, céu azul, sem chuva e uma noite de lua cheia que reverberou boas energias para a sessão ao ar livre de Tiradentes.

Senti que o mundo sorriu para a minha última jornada na cidade.

Antes de entrar nas profundezas dos curtas-metragens, o 27 foi aproveitado na companhia de bons amigos. A ótima oportunidade de reunir pessoas que a Mostra oferece nos traz a gratificação de bons papos com pessoas muito queridas.

Pouco antes do almoço, a minha vizinha Flávia, sua amiga e eu, ficamos conversando, entre muitos assuntos, sobre a Escola de San Antonio de Los Baños, em Cuba, onde elas se conheceram quando fizeram por lá um curso de dois meses. Elas comentaram as inúmeras dificuldades da escola e do país, que contrasta com a riqueza de conhecimento que ali se produz. Um conhecimento que, tanto para os cubanos, quanto para alguns alunos estrangeiros, se perde na vida prática, onde a difícil inserção no meio de trabalho audiovisual gera frustrações e joga por água abaixo fortes expectativas.

Contraste foi a palavra que me levou a refletir sobre o quanto ela é determinante e que nunca se ausenta, a essência de algo consistente pode sempre partir de um cruel contraste.

E de contrastes o Nordeste entende, Pernambuco e Ceará talvez estejam contrastando coisas bem interessantes nos curtas. Mais abaixo esse assunto voltará.

Naquele mesmo momento, a poucos metros da nossa mesa, subindo as escadas e entrando no auditório, era possível presenciar Gilberto Scarpa justificando sua não participação na mesa de debate que estava começando. Vestido com roupão branco, ali ele comenta que gravará uma entrevista para o seu programa de TV e se despede da platéia abrindo o seu roupão. Sunga de oncinha, eis a única peça de roupa por debaixo do roupão.

Almoço. Comida mineira, tutu na mesa. Ao redor da farta refeição estavam Marcio, Lara, Felipe Barros e eu. Barros expõe sua discussão interna sobre o contraste entre artes plásticas e cinema. Ele vem da primeira e tem circulado no segundo com seus vídeos e adquirindo seu espaço. Foi um papo agradável onde foi possível novamente perceber que certas diferenças poderiam ser diluídas a partir da aceitação delas.

Nem almoço, nem jantar. Nem noite, nem dia.
A roda de conversa é composta por um mineiro (Dellani, que pode ser também paraibano e cearense), uma mineira (Ana), um alagoano (Felipe), um cearense (Salomão), um amazonense (Diego) e um paulista (eu, mas dependendo do teu referencial podes me considerar amazonense ou colombiano). Contrastes expostos. Assuntos variados de cinema, artes plásticas e novos projetos. Percebi o quanto é bom questionarmos nossos papéis e funções nesse mundo.

Noite. Sessão ao ar livre. Lua cheia. Praça lotada.
Contrastes culturais, sociais, econômicos e atmosféricos tomaram conta da tela, o público se entusiasmou a cada filme. Após “Recife Frio”, último curta da praça, algumas pessoas à minha frente aplaudiram de pé, significativo pela força do encontro do curta-metragem com o público, fato que muitos já consideraram contraditório e hoje a única contradição é não levar esse formato ao maior número de pessoas possíveis.

No cinema da tenda, após as 23h, os contrastes em relacionamentos diversos. Era a última sessão de curtas que eu acompanharia na Mostra, o fim da jornada, e foi bem simbólico verificar que todos aqueles filmes de certa forma questionavam a tristeza de um fim. As coisas acabam. O mais importante é apreendermos a essência de cada uma delas, buscar nas diferenças e contrastes o que é capaz de amadurecermos nas nossas próximas relações. Pensamentos assim surgiram daqueles derradeiros curtas.

Ia comentar sobre o assunto em que Pernambuco e Ceará contrastam, mas sabe de uma coisa? Na verdade ali existem ótimos fazedores de filmes e que continuem tão diferentes como sempre foram.

Curtas vistos no dia 27:

DOIS MUNDOS (RJ)
Direção: THEREZA JESSOUROUN

C.E.A.S.A (PR)
Direção: Arnaldo Belotto

Os Inocentes (RJ)
Direção: Davi Kolb

AVACA (RJ)
Direção: Gustavo Rosa de Moura

Reverso (MA)
Direção: Francisco Colombo

O plano do cachorro (PB)
Direção: Arthur Lins e Ely Marques

Quarto de espera (RS)
Direção: Bruno Carboni e Davi Pretto

Bailão (SP)
Direção: Marcelo Caetano

Faço de mim o que quero (PE)
Direção: Sergio Oliveira, Petronio Lorena

Recife Frio (PE)
Direção: Kleber Mendonça Filho

Ensaio de Cinema (RJ)
Direção: Allan Ribeiro

Manassés (CE)
Direção: Luisa Marques

Lembro-me ainda de quando comíamos pão de mel toda manhã mas hoje acordei de ressaca (MG)
Direção: João Toledo

Pedra Bruta (SP)
Direção: Julia Zakia

O menino japonês (SP)
Direção: Caetano Gotardo

Ressaca (SP)
Direção: Rene Brasil

Um Par (SP)
Direção: Lara Lima

27 janeiro 2010

Tiradentes 26/27

O assunto era futebol. Em frente à sala de cinema, Tetê Mattos, Diego e eu conversávamos sobre o futebol carioca e a emocionante rodada final do brasileirão 2009. De repente um homem que bebia um guaraná pelo canudinho foi abordado por três policiais. Os guardas o revistaram por inteiro e quando terminaram o rosto do homem estava assustado e tentando compreender o que se passava ali. Depois foram todos para fora e depois de muita conversa dispersaram, o suspeito não era suspeito.

Enquanto observávamos esse acontecimento vozes mais altas ecoaram pelo local. Uma forte discussão acontecia entre dois homens com o pessoal do deixa disso apartando os furiosos para que não chegasse a nenhuma via de fato. Faltou pouco. O conteúdo do caloroso bate boca entre um diretor e um crítico foi que o primeiro ficou incomodado com o texto publicado pelo segundo num site, e aí foi aquele jogo de argumentações que traziam xingamentos de todos os lados.

Acalmaram-se os ânimos.

Não retornei ao assunto de futebol e o resto do dia foi tomado por mais curtas.

O dia 26 foi pulsante não somente entre policia, suspeitos, não suspeitos, diretores e críticos. A tela recebeu filmes que invadiram, no melhor dos sentidos, aspectos inquietantes e até perversos de um ser humano. Obviamente que não foram filmes monotemáticos, mas se aproximaram de uma coisa que me deixou curioso: somos de fato muito violentos?

A violência e a crueldade podem se manifestar de formas diversas, isso é um ponto pacífico, mas quando vejo que a criatividade de um diretor produz essas possibilidades violentas em pequenas coisas, como por exemplo uma chave jogada por debaixo da porta, aí percebo que o charme da violência não é produzir o choque e sim a sensação de que somos muito vulneráveis.

Violência e vulnerabilidade. Espero que não sejam as nossas características mais marcantes, mas espero que nunca possamos esquecê-las, principalmente para evitar que elas se manifestem da pior forma.

Primeiras horas do dia 27.
Festa, cerveja e amigos. Muito papo sobre cinema numa casa agradável no alto de uma ladeira.

Do lado de fora fiquei admirando o céu estelado ao som de Roberto Carlos.

Foi fácil esquecer de toda a nossa violência.


Os curtas do dia 26 que vi:

Coração (RJ)
Direção: Pedro Faissol

Valparaíso (RJ)
Direção: Diego Hoefel

Verão (CE)
Direção: Thiago Pedroso e Hiro Ishikawa

1976 (MG)
Direção: Carlosmagno Rodrigues e ALONSO PAFYEZE

Princípio da Incerteza (GO)
Direção: Cauê Brandão

EPOX (PE)
Direção: Sergio Oliveira

vista mar (CE)
Direção: pedro diogenes, rubioa mercia, rodrigo capistrano, glaugeane costa, henrique leão e victor furtado

Nego Fugido (BA)
Direção: Cláudio Marques e Marília Hughes Guerreiro

O FILME MAIS VIOLENTO DO MUNDO (MG)
Direção: Gilberto Scarpa

Laurita (SP)
Direção: Roney Freitas

Handebol (RJ)
Direção: Anita Rocha da Silveira

Sangre (MG)
Direção: Cris Ventura

Tauri (SP)
Direção: Marcio Miranda Perez

Tchau e Benção (PE)
Direção: Daniel Bandeira

Não me deixe em casa (PE)
Direção: Daniel Aragão

AS SOMBRAS (SP)
Direção: Juliana Rojas e Marco Dutra

26 janeiro 2010

Tiradentes 25/26

Cheguei em Tiradentes sob uma chuva extremamente torrencial no dia 25 de janeiro. No dia seguinte, Ana Bárbara, uma amiga paraibana, me informa que o janeiro de João Pessoa também está sob chuvas, fato muito raro. Há mais de um mês os noticiários mostram as diversas consequencias do aguaceiro sobre o país. Eis a lavagem do Brasil.

Pela luz dos curtas, o Brasil tem sido lavado de uma forma muito menos estranha e trágica. O muito bom da Mostra de Tiradentes é o encontro dos fazedores de curtas. As sessões do dia 25 trouxeram algumas experiências pertinentes, não somente pela abordagem dos temas e propostas, mas muito em função de uma aproximação dos realizadores com a vontade de filmar.

Ter vontade às vezes é frustrante pela ansiedade que gera, e acredito que ter a vontade de fazer um filme é muito encontrar uma relação intima com o seu objeto. Talvez isso se torne mais visível em documentários, mas considero que isso valha para qualquer filme. Daí passei quase todas as sessões buscando compreender quais relações íntimas estavam naqueles filmes e se houve em algum ponto do processo em que as frustrações poderiam jogar todo projeto fora.

Assisti a duas sessões e ambas traziam à tela filmes de aproximação com seus personagens, quase que forçando o espectador a participar de suas narrativas. E o movimento mais interessante de tudo isso me pareceu uma fuga do esquema "contar uma história" e mais próxima do "viver uma história". Não foram usados persoangens em situaçõs extremas, de vida ou morte, e sim de dúvidas e combate com suas próprias emoções.

Apesar de encontrar todos os fazedores fora da sala de cinema, nas ruas e bares, optei por não abordá-los com essas minhas questões. Prefiro conhecê-los através de papos de botequim. Nada melhor que uma noite de sono para amadurecer idéias.

O dia 26 trouxe o debate desses fazedores com o público, e ali cada um expos suas motivações e os conceitos norteadores dos seus filmes. Foi notório perceber que os processos foram vivenciar experiências de vida, alguns mais planejados e outros menos. O que me faz refletir que as relações intimas que eu buscava na verdade eram suas próprias dúvidas.

Os curtas eram dissertações que cada um encontrou para narrar um discurso cheio dessas dúvidas. Pude perceber que nenhum dos fazedores entrou no filme com a visão exata do seu resultado, porém com muita convicção e vontade para que esse resultado abrisse possibilidades acerca dos sentimentos e experiências de seus personagens.

O dia 26 está na metade e aguardo mais chuva. Chuva de dúvidas e incertezas.
Isso é muito emocionante.


filmes vistos do dia 25:

Bem-Vindo Guilherme
Direção: Dellani Lima & Rodrigo Lacerda, Jr

Perto de Casa
Direção: Sérgio Borges

sweet karolynne
Direção: Ana Bárbara Ramos

O Divino, De Repente
Direção: Fábio Yamaji

Guilherme de Brito
Direção: André Sampaio

As Corujas
Direção: Fred Benevides

98001075056
Direção: Felipe Barros

Fantasmas
Direção: André Novais Oliveira

MATRYOSHKA
Direção: SALOMÃO SANTANA

24º Domingo do Tempo Comum
Direção: daniel lentini

cadernos de viagem
Direção: Alex Lindolfo

Chapa
Direção: Thiago Ricarte

15 janeiro 2010

Psicodelia nas areias de Tamandaré


Janeiro de 2008, com o livro Ana Terra na mão, sento em uma das mesas do quiosque. Noite agradável, poucas pessoas em volta, céu estrelado, pé na areia e o barulho do mar relaxando a mente.

Era o meu primeiro dia em Tamandaré, uma pequena cidade com lindas praias no litoral pernambucano. Verifique um pouco nessas fotos: http://whinestrosa.blogspot.com/2008/04/ambulantemente.html

Eu estava viajando sozinho, descansando o corpo e refletindo sobre diversos assuntos e planejamentos para aquele ano que iniciava. Nesse espírito pedi um guaraná e depois uma Pitu, esta foi servida pelo dono do estabelecimento, chamado Marcos. Carioca de nascença, ele cresceu e morou em Jaguariúna, interior de São Paulo, onde recebeu o apelido de... carioca. Não muito antes de 2008, Marcos estava desgostoso com seu trabalho e nos rincões da Amazônia conheceu um cara que trabalhava no Ibama em Tamandaré, e após algumas palavras Marcos decidiu seu novo rumo. Juntou a família numa Kombi, saiu de Jaguariúna, subiu o país pelas estradas e montou o quiosque Submarino Amarelo nesse paraíso chamado Tamandaré.

Na conversa iniciada com a entrega da Pitu descobrimos um amigo em comum, Sidney Rodrigues, ator e que foi amigo de infância de Marcos. Não fico surpreso com coincidências, pois está mais do que provado que elas realmente acontecem, mas fquei feliz porque o Sidney é um camarada bem legal. Assim como o Marcos, que nos três dias que passei em Tamandaré trocava uma idéia com ele sobre assuntos diversos.

Dezembro de 2009. Volto a Tamandaré, acompanhado da Alethea, minha namorada/esposa, namorada porque nosso namoro não acabou, esposa para uma oficialidade dos 7 anos que estamos juntos. Chegamos à noite e a levo para o Submarino Amarelo, ampliado, charmosamente decorado com motivos dos Beatles, com mais funcionários, todos devidamente atenciosos, e a sempre simpatia de Marcos.

Ele ficou feliz de me ver e eu também, mais ainda em ver que o quiosque está cada vez mais agregado à beleza de Tamandaré e apesar de ser um submarino, sugiro ao leitor que embarque na mais atraente psicodelia e considere ali um porto, ancore-se com entusiasmo e desacelere seu cérebro, Marcos e sua turma são ótimos comandantes.

www.quiosquesubmarinoamarelo.com.br