28 outubro 2010

Dúvida e essência

Atravessei a rua e vi alguém sorrindo, era uma mulher, depois percebi que a conhecia e lembrei que era corinthiana, minha vista desembaçou e cumprimentei Paula Mazini. Ela descia a rua Augusta à procura de um filme para ver na Mostra Internacional de Cinema. Eu subia a mesma via, mas não procurava nada, apenas reorganizava os meus pensamentos após ter assisitdo ao filme "Mães", de Milcho Manchevski (Macedônia).

Mas que bagunça se estabelecia nos meus pensamentos naquele momento?

"Mães" aponta para um embate sobre o registro da realidade e quais implicações com a verdade isso pode suscitar. Eduardo Coutinho havia feito isso de forma maestra em "Jogo de Cena" e lembro de ter subido a mesma rua com o cerébro totalmente revolto. É um embate interessante, gosto de refletir sobre valores agregados e o filme de Manchevski me fez repensar se precisamos encontrar um sentido para nossas verdades.

A história da Filosofia ferveu os cocos de muitos pensadores nessa questão e longe de mim em levar a discussão mais adiante, porém vivemos num mundo intensamente audiovisual que parece nos mostrar a necessidade de alcançarmos a verdade das coisas e das pessoas. A dúvida parece ter se tornado uma vilã. Nesse caso, não estou nem um pouco ao lado dos mocinhos.

Considero que a dúvida maior sempre será em torno da essência, e é nesse ponto que "Mães" me atraiu, por mais que um registro de imagem e som deixe algo para a posteridade, jamais alcançamos os reais elementos motivadores das pessoas. No filme, a morte parece sepultar muito mais do que corpos, a essência de cada um também desaparece e nos restam as dúvidas. Numa visão budista e até mesmo cristã, as dúvidas não precisam nos fazer sofrer, mas há sim muito sofrimento, pelo menos nessas vidas mostradas por Manchevski.

25 outubro 2010

Refletir sobre a liberdade

Quatro grupos. Quatro temas.

O final do segundo dia das Oficinas Kinoforum no bairro do Grajaú foi dedicado à criação dos roteiros que serão gravados pelos alunos. Em cima dos temas moradia, paranóia, infância/tecnologia e cotidiano, os grupos desenvolveram suas histórias com abordagens bem distintas, porém com algo em comum: a relação delicada e às vezes conflituosa de seus personagens com o mundo exterior.

A adaptação a certas regras e convivências parece sempre exigir um esforço muito grande, e fugir aos padrões estabelecidos pode soar como uma forma de libertação. E o que senti nos quatro roteiros foi uma preocupação em trazer liberdade aos personagens. Mais interessante ainda foi observar que o elemento opressor em nenhum momento é exposto claramente.

Talvez seja exagerado afirmar que os vídeos serão gritos de liberdade, mas com certeza caminham nesse sentido. Acredito que os roteiros sigam uma característica desse início do século XXI, pois esses gritos não apontam para um sistema opressor específico ou se caracterizam como manifesto. São gritos que lançam dúvidas e o desafio de pensarmos sobre o que realmente está minimizando as interações mais harmoniosas entre as pessoas.

24 outubro 2010

Saindo do Pit Stop

A van do Marquês parou no Pit Stop em Interlagos, uma padaria em frente ao autódromo do S do Senna. Sentado ao balcão e me alimentando com um misto quente, observei em volta e vi algumas alegrias a base de cerveja numa noite que se esticava até ali, 7 da matina. É bom amanhecer na boemia. Ao mesmo tempo que eu conversava com a Vanessa sobre o bolsa familia, repassei na minha cabeça a aula que daria para os alunos das Oficinas Kinoforum no bairro do Grajaú logo mais. Na verdade eu estava ainda na dúvida qual primeiro curta exibiria para a turma.

Foi então que do outro lado do balcão vi uma distinta boemia, eles eram três homens, todos por volta dos 40, dois dividiam uma cerveja e um tomava suco de laranja. Comecei a perceber que aquilo me sugestionava várias histórias sobre a origem daqueles homens, todos estavam com rostos cansados e o assunto entre eles parecia sério, eles não sorriam. Fomos embora, os três continuaram no balcão e eu havia decidido qual filme exibir.

"Mirror" (Espelho), um curta dinamarquês sem diálogos e com uma precisa concepção de fotografia e som. Esse curta é um bom exemplo sobre a força da relação imagem e som sugestionando coisas, despertando o imaginário do espectador. Considero interessante começar a falar de cinema a partir dessas bases.

O debate que se deu depois da exibição do curta revelou aspectos interessantes da turma. Não houve estranhamento significativo em relação às imagens sombrias e pouco explicativas do filme, ninguém demonstrou a busca por um sentido único para aquela narrativa, e entre os que fizeram comentários, as imagens mexeram com algumas sensações e expectativas. Eles se deixaram envolver e isso era um ótimo início.

15 outubro 2010

Desabafo de um jovem na onda eleitoral

Abaixo segue um texto escrito por Bruno Rebequi:

"Desabafo de um jovem na onda eleitoral

Eu nasci no mar! Num Brasil mergulhado, afundado, foi onde nasci. Um lugar de profundas belezas e terras que esbanjam riquezas que há mais de quinhentos anos são ameaçadas pelo homem branco. E esse mar de ameaças, frustrações e medos tentou me engolir. Tentou engolir meus sonhos, minha gana de vitória, meu desejo por igualdade e liberdade, não fosse por uma onda muito grande que subia na ribanceira, hoje teria sido eu abortado! Uma onda que começou a se formar na década de sessenta e a crescer vertiginosamente na década de oitenta. Devo meu presente à esta onda.

Eu era uma criança, e via aquele homem barbudo, de voz rouca, gritando pelos trabalhadores, pela educação, pelo futuro. Eu, ingênuo, jamais teria imaginado que aquele senhor tão mal apresentado – perto de seus adversários engravatados – estivesse falando do meu futuro, aliás, não imaginei que toda aquela vontade expressa, dentre tantas formas, na de suor, fosse se materializar nos dias de hoje, na minha vida, em meu presente, nas minhas escolhas.

A onda que começou de uma base, até então explorada, cresceu, e aquele homem criticado por ser operário, por não ter experiência política, convenceu, se tornando o presidente com a maior aprovação da história deste mar em que nasci.
Incrivelmente, eu vivi ignorando isto! E como jovem revolto, acabei aderindo a ondas menores e que considerava mais contrárias (ou contrariadas), integrando, nas últimas eleições, a onda ecológica. Oras, eu só queria que o grito do macaco-aranha da Amazônia fosse ouvido e que o homem não desmatasse tanto! E não imaginei que a grande mídia usaria o meu sonho para colocar, mais uma vez, em risco, a soberania dos pobres.

Levamos quinhentos anos para sair, de verdade, da escravidão e agora que conseguimos nossa alforria por oito anos, os grandes nomes da nação (grandes em cifrões, mas pífios em quantidade de famílias) querem colocar-nos as rédias novamente? Iremos ignorar todos os dados a cerca do crescimento econômico e social brasileiro por conta de deturpações antiéticas da realidade, envolvendo nossas crenças, nossa subjetividade, nossa fé? O discurso político foi transformado em “midiatização de boataria” para agaranhar votos de maneira extremamente maquiavélica do povo que, bem intencionado, crê em Deus. E é justo, tudo isso?

Não. É extremamente ímpio esse jogo de poder em que o candidato assume mil caras que se contradizem a cada segundo e que precisam ser constantemente maquiadas pela indústria midiática, de forma a iludir o eleitor com promessas, promessas e mais promessas, todas elas já realizadas no passado, e jamais cumpridas. Precisamos acordar para o grande risco que o Brasil está correndo, para o grande perigo que as crianças de nosso país – as que nasceram e as que estão por nascer – podem ter que enfrentar. Em minha infância eu vi um homem barbudo gritando na TV, por trabalho digno, por educação e pelo futuro da nação, e graças ao seu governo, que aproximadamente criou doze novas universidades federais e ampliou outras quarenta e cinco já existentes, é que meu sonho pôde ser realizado.

Há a certeza de que muitos outros sonhos puderam ser realizados devido ao aproveitamento dos impostos que todos nós pagamos. Histórias envolvendo pessoas extremamente humildes que sobrevivem graças a programas de governo, muitas vezes sem nem se dar conta de que realizam seus sonhos por intermédio de atos políticos impulsionados pela forte vontade de homens e mulheres que lutam por justiça social sem usar o apelo religioso, a palavra de Deus, para ganhar popularidade, e, consequentemente, votos. Estamos revivendo o cabresto, mas dessa vez, um cabresto religioso, antiético, e, ironicamente, imoral.

Em prol do futuro das crianças que, talvez sem entender, hoje assistem ao careca engravato e “sereno” e à senhora valente, embravecida, é que precisamos impulsionar esta onda que, por um orgulho partidário justificável, foi batizada de “onda vermelha”, mas que ao meu ver, é, na verdade, uma onda de todas as cores, de todas as etnias, de todas as classes e de todos os cidadãos. Esta é a verdadeira onda da vida!"

Bruno Rebequi
Comunicador de verdades essenciais, por dois anos cursou Comunicação Social na Ufes, atualmente cursa o bacharelado em Composição Musical (Trilha Sonora)graças ao Reuni,programa do governo Lula/Dilma.

10 outubro 2010

Quando o trem passar

À frente de Joaquim está um viaduto. Quase uma da manhã, cidade vazia e seu carro está parado sobre aquela via que sobrevoa uma linha de trem. Joaquim sempre gostou de silêncio, e até a próxima passagem dos vagões que vinham do subúrbio ele desfrutaria de um silêncio para refletir melhor sobre si mesmo.

Dois meses antes, Vera e Joaquim viviam intensamente uma viagem em que percorreram mais de 4000km país afora. Joaquim possuía muito dinheiro e gastá-lo com uma mulher inteligente e 10 anos mais jovem parecia a realização de um sonho. Nada de ruim aconteceu durante aquela viagem, mas um fato que durou apenas cinco minutos estava sendo lembrado agora por Joaquim.

Em uma das cidades daquela viagem, Vera havia corrido por dois quarteirões, estava muito suada e não trouxera os cosméticos que havia ido comprar. Ela disse para Joaquim:

- Eu vi um homem ser atropelado.

Joaquim ficou calado. Ela parecia que ia desabar em lágrimas, mas apenas mirava profundamente nos olhos do parceiro aguardando uma resposta. Joaquim observou o suor que escorria pelo pescoço de Vera. Eles estavam na calçada de uma avenida, muito calor e fluxo intenso de carros e ônibus. Joaquim segurou Vera pela cintura e beijou os ombros dela lambendo todo o seu suor.

Vera não entendia aquilo e pediu que ele parasse. Assim que ele a soltou, Vera disse:

- Nunca mais desrespeite meus sentimentos.

Eles estão juntos até hoje e se entendem bem. Porém Joaquim está apaixonado por uma mulher chamada Sílvia e do outro lado do viaduto ele deverá comunicar isso a Vera.

A angústia toma conta de Joaquim enquanto embaixo do viaduto o trem produz um som ensurdecedor.

05 outubro 2010

Quando o Chile me afastou de Clarissa

Conheci um pouco mais sobre a revolução chilena feita por  Salvador Allende enquanto esteve no poder entre 1970 e 1973 através do livro "A Revolução Chilena", da coleção Revoluções do Século XX (editora Unesp) e escrito por Peter Winn. Foi uma experiência interessante. Ao longo das páginas fui vivenciando intensamente os momentos do 'Caminho Para o Socialismo' que Allende buscou estabelecer até a sua trágica morte.

Entre as muitas coisas que me despertaram diversas reflexões está  a sensibilidade perante uma experiência histórica. Como identificar que estamos em um processo histórico importante e que devemos realmente tomar cuidado com cada um de nossos passos? Maquiavel falava de prudência ('prudenzia' em italiano),  termo diferente do que conhecemos hoje e que consistia em uma característica de poucos, que conseguiam enxergar um pouco mais além e definir seus atos sem passos em falso, prudente não era saber evitar e sim saber agir. Mas como alcançar esse nível?


Um dos capítulos do livro é justamente 'vivendo a revolução', talvez  'viver' exija muito mais força de vontade e empenho do que 'fazer' a revolução. Um dia uma chilena chamada Esmeralda me disse que era um tempo em que eles estavam vivendo algo muito especial e não perceberam isso. Aqui eu aproximo a História de nossa percepção política.


Um dos pontos em 'viver a revolução' foi justamente a ação dos chilenos em acelerar todos os processos pensados para se alcançar o socialismo. Hoje, mais de 30 anos depois, consigo enxergar o quanto isso foi fatal para Allende, porém uma lição mais positiva é a vontade que um povo historicamente reprimido possuía em fazer valer o que considerava justo: igualdade social.


Como canalizar essa vontade? Novamente Maquiavel nos diz que para isso é necessário promover conflitos internos, duelos de posições, mas recomenda ele: que sejam promovidos com a finalidade única do bem comum, sem prejuízo à liberdade da pátria nem à ação de um agente externo. Mas isso não havia no Chile, de um lado uma classe média que pensava em seu próprio bem, do outro trabalhadores urbanos e rurais buscando seu espaço, para o bem comum, porém sem o devido debate com a classe média.


No meio estava Allende que buscou a todo custo equilibrar todos os conflitos, foi um negociador nato, mas não conseguiu segurar algo muito mais forte: os interesses dos EUA.


A política não se constrói com principes encantados, Allende não era um, assim como Lula nunca se destinou a ser. É preciso percebermos nossa trajetória histórica de um continente explorado e subjugado. E a partir dessa percepção reconhecermos os pequenos avanços que temos com propostas como foi a de Allende e então assumirmos o compromisso mais importante numa democracia: avançar ainda mais, não fugir da responsabilidade , irmos para o debate e construirmos instituições fortes que possam aos poucos promover a justiça social. É lento, não precisamos acelerar.


Me afastei de Clarissa durante três semanas, imerso nas páginas sobre a revolução de Allende, mas voltei à obra de Erico Veríssimo para junto de sua inspirada prosa enriquecer minha sensibilidade e cidadania.

02 outubro 2010

Belos cortes

Era o ano de 1994, o gerente da locadora em que eu trabalhava sugeriu que assistisse a um filme chamado   "Cães de Aluguel". No dia seguinte, cheguei para trabalhar extremamente entusiasmado com o que eu havia visto e falei para o gerente: eis o novo Scorsese!




A partir de então, o diretor desse filme, Quentin Tarantino, entrou em definitivo na minha lista de favoritos.

E o que me fez conectá-lo com Scorsese não foi somente o apuro nas cenas de violência, mas principalmente a montagem de Sally Menke. Uma das sequências que mais me impressiona até hoje em "Cães de Aluguel" é aquela em que Mr. Orange (Tim Roth) está sendo treinado por um agente negro para saber inventar e contar histórias de forma convincente, eis que entra a maestria de Menke. Ao longo dessa narrativa mesclam-se flash fowards com flash backs e bum... lá estamos divdindo a personalidade de Mr. Orange, entramos em sua essência através de uma contrução de cenas com ritmos e cortes precisos, considero uma das soluções mais magníficas para um vai e vem não linear.

Com tristeza recebi a notícia do falecimento de Menke no dia 27 de setembro, mas sua obra ficou. Com certeza junto com Thelma Schoonmaker, a fiel escudeira montadora de Scorsese, Sally Menke está no mais alto patamar da montagem no cinema.

Sally, nunca tive a oportunidade de te falar pessoalmente, mas tu és uma mulher de belos cortes. Au revoir.