31 dezembro 2010

Boréu

Tudo desaparece e deixa de existir.

Os vínculos que possuímos, ao longo de nossa existência, com as pessoas e coisas, nos fornecem um sem número de experiências tanto alegres quanto de sofrimento. Se as coisas desaparecem é porque elas também acontecem. Acredito que cada acontecimento em nossas vidas manifesta uma intensidade própria, cabe a nós perceber o quanto essa intensidade nos permite usufruir ou não de cada ocasião. Sempre tive dificuldade em compreender como que o ser humano transforma os acontecimentos de sua vida em algo profundamente privado e individual.

Acredito ainda que as nossas personalidades não estejam baseadas no que é propriedade nossa, seja propriedade material ou emotiva. Busco compreender a nossa existência como algo que fortalece a harmonia nas relações entre as pessoas. Não há perda, ao longo da vida ganhamos continuamente. Todos que passam pela gente, mais foram provedores do que qualquer outra coisa e não são nossas propriedades.

Todo afeto que recebemos existe para enriquecer nossa sensibilidade. É muito estranho que ao perdermos uma fonte de afeto, nos tornemos alguém com amargor nos sentimentos. Toda tristeza pela qual passamos existe para fortalecer nossa visão de mundo, para sabermos onde pisar nas próximas caminhadas. É muito mais estranho que ao passarmos por um momento de tristeza, algum tipo de ódio ou rancor se desenvolva em nós.

Uma auto invasão pode ser um caminho interessante. Desaproprie as pessoas e as coisas de si mesmo. Vivencie cada um sem medo, todos irão deixar de existir e não tenha medo disso. Arrisque-se.

28 dezembro 2010

A ex-vizinha, o elevador e a rede social

Foi no elevador da minha primeira residência em São Paulo. A moça morava alguns andares acima e juro, por tudo que há mais sagrado, que a minha pergunta não possuía nenhuma intenção mais maliciosa. Após os básicos “ois, como vai?” eu emendei: - Tu curtes cinema?

Ela: Sim, mas costumo ir sozinha!

Iau!

Foi um dos foras mais sem noção que levei, principalmente porque eu estava apenas, podem acreditar, apenas puxando conversa.

Saí do elevador após um básico “tchau” e entrei em casa. Fui para o quarto e com o volume em estado máximo no meu toca CD Aiwa, fiquei sentindo as vibrações do álbum ‘In Utero’ do Nirvana. Sim, estávamos nos anos 90. E muito provavelmente o nerd criador do facebook mal degustava sua high school.

Pois é, não sou nenhum dos trintões mais bilionários do mundo e muito menos comentarei sobre o tamanho dos seios dessa ex-vizinha aqui no meu blog, porém ‘A Rede Social’ de David Fincher me fez trazer esse trágico papo de elevador como introdução de uma reflexão sobre um dos aspectos desse filme.

Na obra de Fincher, a mágoa de um expressivo fora fez com que um estudante de Harvard desse o pontapé inicial ao que viria ser o todo poderoso Facebook. Mas antes da garota dizer para o nerd que o relacionamento entre eles havia chegado ao fim, o que temos no filme é um diálogo cirurgicamente preparado para nos introduzir não somente ao personagem central do filme, mas também ao elemento crucial de tudo que viria a seguir: fazer parte de algum clube, círculo e por que não, uma rede social.

O roteiro é basicamente uma longa luta judiciária permeada pelos vigorosos valores capitalistas norte-americanos junto com uma obstinação em montar uma das redes sociais mais populosas da internet. Mas o efeito prático do site no ar é que extrapola todos os meandros judiciais, o Facebook se espalhou pelo mundo e o que temos em 2010 é uma rede social já intrínseca ao cotidiano de muitos seres sobre a Terra.

‘A Rede Social’ pode suscitar julgamentos acerca dos valores morais de Mark Zuckerberg, um dos fundadores do Facebook, mas ao longo de todo o filme busquei superar isso, me afastei para tentar compreender o significado de ‘ser aceito’ por alguém ou alguns.

Não é de hoje a necessidade em estar num círculo fechado de pessoas, na Itália do Renascimento, por exemplo, eram comuns as confrarias, círculos de amizades com o intuito de fortalecer a cooperação mútua. Grupos e grupinhos ocuparam a preocupação de muitos humanóides ao longo dos séculos. Mas em que escala vivemos isso nos dias atuais?

A internet parece nos permitir ‘ser aceitos’ onde talvez jamais seríamos, mas ainda bem que nem sempre é fácil, e o plano final de ‘A Rede Social’ talvez ilustre que as nossas relações mais significativas dependem principalmente de como reagimos ao que uma outra pessoa tem a nos dizer. Um dia a minha reação foi escutar Nirvana em alto volume.

27 dezembro 2010

Mergulho

Bem, a primeira década do século XXI ficou para trás. É uma década que parece não ter chacoalhado tanto quanto todo o século XX, mas que fez balançar algumas coisas interessantes. Mas prefiro falar de amor.

Gosto de enxergar o amor como um mergulho. Entramos de cabeça e nos mantemos ali no fundo até o fôlego pedir mais oxigênio. Eis a grande virada em nossas vidas, quando colocamos a cabeça pra fora, reoxigenamos o cérebro e começamos a avaliar se vale a pena mergulhar novamente. Sempre vale!

É bom se perder no profundo das águas, o amor é uma luta pela sobrevivência, precisamos encará-lo como algo que precisa tirar nossa respiração e não o contrário. O amor enquanto um fim é angustiante, ele te prende numa pseudotranquilidade.

Sempre acreditei que a vida precisa de intensidade, olhar ao redor e não sentir nada é um sinal do mais profundo individualismo, o encerramento de eu mesmo por eu mesmo, é a morte do amor.

A intensidade das coisas que vivi nos últimos dez anos me levou a um melhor autoconhecimento. Claro que ainda restam muitas dúvidas sobre mim mesmo, mas seguirei adiante.

Mergulhemos!

20 dezembro 2010

Poltrona das selvas

A chuva caía forte na cidade de São Paulo quando o carro veio para me levar à Unisa (Universidade Santo Amaro) onde eu participaria como convidado na platéia do “Post Factum”, programa de TV realizado pelos alunos do curso de Rádio&TV, e que teria como pauta as Oficinas Kinoforum.

Assisto ao Canal Universitário apenas em raras ocasiões porque considero pouco ousados os programas que ali são exibidos. Gosto de pensar a universidade como um espaço de liberdade e experimentação, aspectos que proporcionariam a gostosa aventura de arriscar, lançar-se ao desconhecido para medir os resultados. Infelizmente o Canal Universitário navega na direção contrária com seus inumeráveis programas de entrevistas, a maioria cansativos por natureza.

“Post Factum” também é um programa de entrevistas, mas com a oportunidade de acompanhar de perto os seus bastidores, abstraí a ausência de ousadia e experimentação e pude verificar uma outra característica relevante para um processo de formação universitária: o empenho e compromisso para que tudo funcione e dê certo.

Pra começar, o grupo de alunos que realizou o programa fez um bom trabalho de pesquisa, que refletiu nas perguntas feitas ao entrevistado Jorge Guedes, coordenador das Oficinas Kinoforum. As questões buscaram apresentar o espírito motivador das Oficinas e saber mais sobre o envolvimento daqueles que as conduzem. Muito mais do que mostrar o valor prático do curso, a abordagem no programa enfatizou captar a sua essência.

Outro ponto positivo que pude observar é a dinâmica de produção, era o terceiro programa que o grupo realizava neste ano, e a familiaridade na condução técnica e de operacionalidade do estúdio se mostravam quase íntimas. Isso levava também a um ambiente mais descontraído, amigos produzindo com amigos e todos numa mesma sintonia.

As águas torrenciais quando caem sobre São Paulo geralmente se vinculam ao caos: trânsito intenso, enchentes, alagamentos e às vezes mortes. Após o programa fiquei pensando se não é de um toró que a produção universitária de televisão precisa para exercitar uma caótica criatividade capaz de proporcionar experiências que vão além de qualquer didatismo. O audiovisual é uma ferramenta forte e contundente, e quão maior for sua versatilidade, mais frutos significativos deixará.

Ao longo de todo o programa fiquei imaginando se há uma real necessidade do cenário dialogar com o assunto tratado. No lugar das tradicionais “cadeirinhas do diretor”, o apresentador e convidado poderiam muito bem estar sentados numa poltrona forrada com pelos de gorila, o que nos refrescaria com um selvagem surrealismo, que por sinal anda muito esquecido no Canal Universitário.

17 dezembro 2010

Taturana

A realização do Seminário de Cinema Contemporâneo em torno de uma recente safra de longas brasileiros confirmou a fina sintonia da Mostra Londrina de Cinema com a preocupação em debater conteúdo.

Infelizmente não assisti a todos os títulos apresentados, confira abaixo a lista completa, mas deixarei aqui uma breve impressão sobre “Vigias”, primeiro longa do pernambucano nascido em Brasília, Marcelo Lordello.

A principal virtude de “Vigias” está em seu aspecto degustativo, a narrativa não empurra o espectador logo de cara no arcabouço da crítica social à qual o filme se propõe. Aos poucos, os elementos vão sendo construídos de tal modo que possamos buscar, conforme nossas próprias percepções, as reais inquietações que o filme transmite.

Logo se percebe que os personagens principais não são os vigilantes entrevistados e muito menos os moradores dos prédios da cidade do Recife. O foco central do filme está nos valores de uma sociedade imersa no medo da violência urbana. Eis a força de “Vigias”. Assistir ao filme não é absorver uma ou mais histórias de vida, e sim nos lançarmos a um debate interior, seja por identificação ou não. Há uma sociedade que sente a necessidade de ser monitorada, pois sente também que precisa se defender. É uma sociedade onipresente no filme e que deixa sua marca através do medo.

Refleti pessoalmente sobre esse estado das coisas na nossa urbanidade. A impressão é que segurança e medo se estabelecem como pilares da nossa sobrevivência.

No debate após a sessão, mediado pelo crítico Luiz Carlos Oliveira Jr, responsável pelo Seminário, Lordello ressaltou que seus filmes partem de suas inquietações, o que revela seu potencial em observar e degustar o que ele mesmo apreende ao seu redor, sensibilidade positiva e necessária para trazer bons frutos à nossa cinematografia.

A Mostra Londrina de Cinema é organizada pela Kinoarte, que também publica a revista Taturana. Na edição que foi lançada durante a mostra, há algumas notas escritas por Kubrick aos 32 anos de idade, na primeira temos o seguinte:

“Eu não acho que escritores ou pintores ou cineastas funcionam porque tem algo particular que queiram dizer. Eles têm algo que sentem.”

Para conhecer mais sobre a Mostra Londrina de Cinema e a Kinoarte: mostralondrina.com

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Filmes exibidos no Seminário de Cinema Contemporâneo durante a 12ª Mostra Londrina de Cinema com apresentação e debate de Luiz Carlos Oliveira Jr:

“Permanências”, de Ricardo Alves Jr (34’/MG/2010)
“Chantal Akerman, de Cá”, de Gustavo Beck e Leonardo Luiz Ferreira (62’/RJ/2010)
“Avenida Brasília Formosa”, de Gabriel Mascaro (85’/PE/2010)
“A Fuga da Mulher Gorila”, de Felipe Bragança e Marina Meliande (85’/RJ/2009)
“Vigias”, de Marcelo Lordello (70’/PE/2010)