21 agosto 2011

Carregar

O telefone tocou.
Com os pés descalços ela corre pelo apartamento e atende. Era a confirmação de um encontro com velhos amigos e amigas.

Ela desce e vai até a esquina, onde seu namorado lhe pegaria com a moto dele.

A espera começa a ficar longa. Seu celular está descarregado.

Um índio se aproxima. Ele está com a cara pintada e se dirige a ela numa língua que ela não compreende. Sem saber muito o que fazer, ela aponta para uma padaria do outro lado da rua. O índio fica imóvel.

Muito assustada, ela corre em direção à padaria, entra no estabelecimento e pede uma coca-cola. De repente ela tem um ataque de riso e vai embora, passa pelo índio e volta pra casa.

Com o celular carregando, ela dá uma bronca em seu namorado. Ele está preso numa manifestação contra a construção de uma hidroelétrica próxima de uma área indígena.

Alucinação, foi a palavra que ela escreveu no bloco de notas na porta da geladeira, e depois correu pelas ruas de sua cidade com um cocar na cabeça.

13 agosto 2011

Silêncio e memória

Ele era um homem muito vaidoso e aquela viagem poderia lhe impor certas coisas para as quais ele não estava preparado. O ônibus seguia em frente na estrada, não havia como voltar.

Pelas calçadas da pequena cidade, o homem buscava em sua lembrança momentos que ali viveu e que lhe trouxessem alguma felicidade. Não havia nada.

A casa de sua irmã era modesta, foi alojado no quarto dos seus sobrinhos que por sua vez foram transferidos para a sala. Naquela primeira noite ele dormiu muito bem.

Uma velha senhora chamada Sonia desejava ver aquele homem, que por muito tempo viveu naquela cidade e hoje estava ali como um estrangeiro. Sonia vivia uma decadência particular, ela não possuía mais poder, seu marido estava morto junto com todo o respeito que os moradores daquele lugar poderiam lhe dar. O homem foi visitá-la.

Na cozinha, enquanto eles degustavam um pão de milho com café, o silêncio era o verdadeiro companheiro daquele encontro, não trocaram nenhuma palavra. Sonia parecia necessitar apenas da companhia daquele homem, que de algum modo compreendia aquela situação.

Ao longo dos cinco dias que ali passou, o homem percebeu que as suas memórias da cidade, vazias e sem felicidades, eram o reflexo da opressão do silêncio de seus habitantes. Decidiu que na sua última noite encontraria um sentido para o regisro de uma lembrança feliz.

Ele foi a uma festa, conheceu uma mulher, se beijaram e caminharam pelos arredores da cidade até amanhecer.

Anos depois, essa mulher se casou e havia esquecido daquela noite. Até que um dia seu marido chegou com o nariz sangrando e não quis lhe contar o motivo, ela sentia que ele nutria um sentimento de vergonha. Foi então que ela sentiu uma felicidade por dentro ao perceber que seus pensamentos haviam resgatado a noite da festa, quando ela havia exposto todos os seus segredos e vontades, que apesar de ter sido a um estranho, foi um dos momentos mais libertadores de sua vida e que a sua memória esfumaçou sob a névoa de silêncio da sua cidade.