20 setembro 2011

Uma manhã antes do clássico

Era uma quarta-feira de setembro e no domingo ia ter clássico. Flamengo x Botafogo. Logo me deu aquela vontade impulsiva de ver de perto o jogo. Seria minha primeira vez no Engenhão e a possibilidade de curtir um domingo no Rio.

Primeiro problema: ingresso. Como comprar uma entrada para o jogo a partir de São Paulo? Entrei no site oficial de vendas, mas só é aceito cartão de crédito com a bandeira VISA, eu tenho Mastercard. Eu estava realmente frustrado até que minha companheira de trabalho Cris disse que talvez uma amiga carioca poderia comprar. Acertamos tudo por fone e facebook e o primeiro obstáculo estava vencido.

Segunda questão: como chegar ao Engenhão? Eu sabia que devia ir de trem, mas desejava mais detalhes, condições, etc. Liguei para minha mãe em Manaus, que já havia ido duas vezes ao Engenhão, tudo que ela me falou foi pra não me preocupar, era só seguir o fluxo de torcedores com as camisas do Flamengo e do Botafogo. Bem, seguindo conselho da mãe, não me preocupei mais.


Comprei as passagens de ônibus, saí de São Paulo no sábado à noite, amanheci no Rio, fui caminhar em Ipanema e parei num quiosque no Leblon para tomar água de coco e descansar a mente. No final da manhã fui até a Tijuca pegar meu ingresso e depois voltei para o Largo do Machado onde desejava tomar uma cerveja num botequim antes de ir ao jogo.


Lembrei que eu havia visto esse botequim em uma das viagens ao Rio e ele me chamou a atenção por sua autenticidade, prédio antigo, numa rua sem badalação e um balcão já em idade avançada. O local fica na rua Gago Coutinho 51, não sei o nome, no toldo da fachada está escrito apenas 'restaurante', talvez porque nos fundos do bar funciona um charmoso restaurante.


Lá chegando, no bar havia dois vascaínos, um flamenguista e outros, a TV  estava ligada no canal SportTV e parei no balcão, pedi uma cerveja e um bolinho de bacalhau.


Recomendadíssimo o bolinho de bacalhau desse lugar.


Depois chegou mais um flamenguista e o vascaíno que estava ao meu lado no balcão foi embora, quando a esposa passou de carro para pegá-lo. No bar os assuntos eram diversos como as farras do Adriano e do Romário, fiquei apenas escutando, concordando e curtindo a descontração do lugar.


Tomei outra cerveja e comi mais um bolinho de bacalhau.

Às 13h paguei a conta e rumei ao Engenhão. Desci do metrô, entrei na estação Central do Brasil, segui o fluxo conforme minha genitora havia informado, sentei no vagão e logo em seguida comprei de um ambulante um latão de cerveja para degustar durante a viagem.


Foi um domingo bem agradável.

11 setembro 2011

Um homem de muletas e a pastelaria

Quando cheguei em Curitiba para acompanhar a itinerância do Festival de Curtas para o qual trabalho, peguei um ônibus no aeroporto e desci em frente à Biblioteca Municipal, onde iria esperar pela Denize, que produziu e coordenou essa itinerância. Quando lá desembarquei do coletivo, ela não havia ainda chegado, andei uns poucos metros e dei de cara com uma pastelaria, entrei e pedi um pastel de queijo. O estabelecimento estava lotado, eram por volta das 13h e não havia lugar para sentar. Peguei meu pastel e fui degustá-lo na calçada, o que me facilitaria também esperar pela Denize.

Após umas duas mordidas, um homem de meia idade e de muletas se aproximou de mim, apesar de estar mal vestido logo percebi que não se tratava de um mendigo. Logo ele puxou conversa comentando como estava lotada a pastelaria, respondi alguma coisa e ele começou a falar da bondade e generosidade do dono, o que era uma das chaves de seu sucesso.

A história do homem de muletas era um pouco confusa, mas pelo que pude apreender, um dia ele teve um bom emprego, gozava de uma boa situação financeira e era cliente assíduo da pastelaria. Mas a sua vida sofreu uma reviravolta, ele perdeu tudo que tinha e chegou a morar na rua, e numa dessas situações precárias o dono da pastelaria lhe encontrou e disse que ele poderia ir até o seu estabelecimento que o tratamento seria igual, pois ele considerava que pelo fato dele ter sido um bom cliente, isso o ajudou a crescer e que nada mais justo que retribuir principalmente naquela situação em que o homem de muletas se encontrava.

Considerei muito humano aquele homem compartilhar comigo essa história, e esse exemplo de generosidade me chamou bastante a atenção. Gosto de Curitiba, é uma cidade bem agradável, tenho bons amigos curitibanos e inclusive já namorei uma curitibana, porém nas três vezes anteriores que visitei a cidade, eu senti uma hostilidade peculiar, como se qualquer aproximação fosse impossível. Dessa vez, essa abordagem inesperada logo na minha chegada e falando de ações generosas me tocou, e nos dois dias que passei na cidade, senti tudo mais aberto e uma receptividade que não havia ainda experimentado em Curitiba.

Costumo dizer que as coisas se facilitam quando se entra de coração aberto, e talvez esses quase 8 anos sem ir à Curitiba me amadureceram mais do que as transformações que a cidade possa ter sofrido. Sei lá, poder ser uma viagem da minha parte, mas quis compartilhar esse sentimento.

09 setembro 2011

Nossos últimos dias

Ela estava em frente ao portão de madeira, havia tocado a campainha por três vezes e nenhuma resposta. Apenas o forte latido de um cão do outro lado do portão.

Ela lembrou que não tem medo de cachorro, mas aquele latido parecia tormentar muito a sua cabeça. Era uma nítida comprovação de sua ansiedade.

Pela quarta vez ela tocou a campainha, e após um tempo ela escutou passos vindo em direção ao portão. O cachorro não parava de latir.

Antes da chave abrir o portão, ela lembrou dos nossos últimos dias.

A lembrança carrega intensidade, algo mais pulsante que a mera sensação de um momento. Mas será que ela existe para ativar o que se define como saudade? Ela rememorou tudo e quis sorrir, procurou fugir de qualquer metafísica que poderia tirar a boa simplicidade daqueles dias, desejou apenas lembrar para não esquecer.

O portão abriu e o cachorro parou de latir.

07 setembro 2011

Jardim

Renata casou com Fernando e agora esperava por seu primeiro filho, se nada de inesperado acontecesse, daqui a 3 meses ela o teria em seus braços. Mas sempre tem uma amiga que lança alguma coisa nos pensamentos e daí em diante coisas irreais podem parecer muito reais.

Joana estava com quase 40 anos e três filhos em um único casamento, se considerava apaixonada pelo seu marido, mas disse a Fernanda que estava desconfiada de alguma coisa pois encontrou pequenas manchas de sangue em suas camisas. Ao perguntar para o esposo o que aquilo significava ele disse que havia se cortado com papel, afinal ele é dono de uma gráfica. Joana não iria sossegar até descobrir a verdade.

Dias se passaram até que Fernando, marido de Renata, começou a ter fortes ataques de tosse. Quando começava ele sempre corria para o banheiro. Num desses ataques, Renata entrou no banheiro logo depois que ele saiu e encontrou gotas de sangue na pia. Assustada, ela correu até o marido e perguntou sobre o que acabara de ver, ele disse que não estava expelindo sangue nenhum, ela o levou até a pia e mostrou a ele. Fernando a segurou pelos braços, deu-lhe um beijo na boca e disse: "Você precisa descansar!". Não havia sangue.

A tosse de Fernando foi piorando, o diagnóstico do médico apontou uma virose e que logo ia sarar. Renata ficou temerosa de que algo pior estivesse acontecendo com o seu marido, longas discussões aconteciam e mais gotas de sangue ela via não somente na pia, mas também nas roupas dele. Renata estava entrando em parafuso.

Num domingo de sol, Renata se levantou da cama e encontrou o marido preparando a mesa do café. Ele disse a ela: "A tosse passou." Ela sorriu e eles se beijaram.

Durante o café Fernando limpou sua boca com um guardanapo de papel. Os olhos de Renata se arregalaram. Havia manchas de sangue no guardanapo. Renata desmaiou.

Tudo seguiu em frente, veio o bebê, tiveram mais filhos e nunca mais conversaram sobre a tosse de Fernando, que antes dos 50 sofreria com duas pneumonias em tempos de inverno.