29 novembro 2012

Com uma mala cheia de conselhos

Hoje faz 21 anos que cheguei em São Paulo e fiquei.

O vôo da VASP que me levaria à paulicéia partiria por volta das 14h de Manaus. Acordei tranquilo, um tanto ansioso, mas sem um sentimento de despedida, pois na verdade a única condição para que eu não voltasse seria passar no vestibular, fato que eu não estava tão seguro que aconteceria. Também nenhum medo ou alfição passava na minha cabeça, eu estava indo pra casa do meu pai e isso me dava uma certa segurança.

O dia foi uma grande correria para arrumar as últimas coisas, minha mãe enchia minha mala mais com conselhos do que com qualquer outra coisa. Na minha mente eu ficava imaginando o que seria estar numa cidade com mais de 100 cinemas, naquela época Manaus possuía umas 6 ou 8 salas, no máximo.

Cine Chaplin em Manaus, onde assisti a muitos filmes. na infância e adolescência.

Outras coisas que passavam pela minha cabeça: ver jogos da liga mundial de volei, ir a shows de rock, comprar discos raros e ver o Flamengo no estádio. Enfim, São Paulo representava a verdadeira terra prometida de todas as minhas carências esportivas-musicais.

Lourdes, uma grande amiga da minha mãe desde os tempos da faculdade até hoje, se ofereceu para me levar ao aeroporto. Fomos minha mãe, minha vó e minha irmã que na época tinha 5 anos de idade. Antes de entrar na sala de embarque me despedi de todas elas com abraços e de repente eu olho pra minha mãe e pela primeira vez na vida eu vi lágrimas em seus olhos.

Obviamente eu já havia visto minha mãe muito nervosa em diversos momentos, mas aquele tipo de emoção era inédito pra mim, apesar de uma dificuldade ou outra o ambiente em casa sempre foi de muita leveza, carinho, alegria, sem melancolias.

Minha mãe não estava exatamente chorando, mas seus olhos estavam bem úmidos e ela nitidamente estava segurando a sua emoção. Curiosamente não entendi muito aquele momento,  lá no fundo eu não via aquilo como uma despedida, sei lá, eu achava que muito em breve estaria de volta. Hoje acredito que de algum modo ela sentia que havia chegado a hora do filho sair do ninho de vez. Aquelas lágrimas estavam certas.

Fiz o check in e fui à sala de embarque.  Já com um espírito de independência, fui à lanchonete e pedi uma cerveja, uma skol em lata. Sim, o atendente vendeu bebida alcóolica a um menor de 17 anos sem perguntar nada. 

Eu havia conhecido São Paulo quando criança, e isso talvez me deixou com uma sensação de que eu não estava mergulhando num terreno totalmente desconhecido. Algo me excitava, o que minimizou a despedida de uma relação com Manaus que jamais voltaria. Sem me dar conta, eu estava inserindo um novo marco zero na minha vida.

Embarquei no avião airbus A300 num vôo que faria escala em Brasília portando um walkman com o som da banda Fleetwood Mac gravado numa fita cassete. O número de salas de cinema em São Paulo não saía da minha cabeça. Mesmo sabendo que dali a dois dias eu prestaria o vestibular para o curso de engenharia.

Estávamos em 1991 e o Collor ainda era presidente.

A aeronave começou a taxear, saiu do terminal e ficou parada alguns minutos antes de se dirigir à pista para decolar. Nesse momento, olhei na direção do aeroporto e pude ver no terraço, escoradas no parapeito, minha mãe, minha vó, minha irmã e uma quarta mulher. Ninguém mais.

Essa imagem se fixou em minha memória com uma força incrível.

Foi então que eu senti o peso daquela partida.


 Não passei no vestibular e uma nova história começou.
 

11 novembro 2012

Kaliningrado

Na calçada ela encontrou uma pequena carteira vermelha, olhou para os lados e pegou o acessório em movimentos bem rápidos. Soraia resolveu abrir a carteira. Estava vazia.

A mãe de Soraia morava num apartamento bem charmoso, poucos móveis e bem decorado. Ao receber da filha a carteira vermelha encontrada na rua, a reação da mulher de 50 anos foi dizer que não havia espaço nem pra moedas e que não conseguia ver uma utilidade para um objeto como aquele. Soraia tentou convencê-la a ficar com a carteira e o que se sucedeu foi uma interminável discussão entre mãe e filha.

Naquela noite Soraia foi a um clube noturno e dançou muito.

Tudo que Soraia, mística e esotérica, compreendia era que aquela carteira naquela calçada teve a cósmica função de agravar o seu conturbado relacionamento com a sua genitora. Soraia sentia revolta. Soraia teve um plano.

“Ao encontrar essa carteira, por favor me escreva dizendo o que aconteceu com você no dia seguinte, bjs Lua escrevapralua@gmail.com”. Foi esse o bilhete que ela deixou no interior da carteira antes de abandoná-la num centro comercial.

Seis dias depois ela recebeu a seguinte mensagem:

“Oi Lua,

Não aconteceu nada!

Bjs

Sol”.

Além da frustração com a lacônica resposta, Soraia nadou na dúvida se Sol era do sexo masculino ou feminino. Prudentemente, resolveu não responder ao email para sanar sua dúvida.

Sim, Soraia possuía perguntas sem respostas e precisava aprender a conviver com isso.

Soraia esqueceu da carteira vermelha e recentemente visitou a sua mãe. Brigaram novamente por causa de uma prima que fuma maconha.

23 outubro 2012

Nem Tudo é Preto e Nem Tudo é Branco

A polarização é uma tendência comum e algumas vezes sinto que as pessoas se sentem confortáveis em polarizar opiniões, modos de viver, pessoas, pensamentos e principalmente pontos de vista. Ao polarizarmos as coisas, verifico que jogamos fora o que talvez seja mais rico nas relações humanas que são as nuances e principalmente a real possibilidade de aproximação.

Nem tudo é preto e nem tudo é branco.

Considero a frase acima um bom ponto de partida para ressaltarmos algumas questões que estão no filme francês "Intocáveis", dirigido por Eric Toledano e Olivier Nacache. Esse filme me surpreendeu, fui assistir a ele com alguns receios, principalmente se haveria um tom melodramático ao extremo ou insuportavelmente existencialista.

Sim, é um filme existencialista, mas que não opera com extremismos e sua narrativa flui muito bem pontuando de forma adequada os principais elementos dramáticos, como os personagens bem definidos e com funções expressivas para dar conta do delicado enredo. O filme é baseado em fatos reais e conta a história de um milionário tetraplégico que aposta na contratação de um negro imigrante da periferia pobre de Paris para ser seu cuidador.

Para além do existencialismo, acredito que "Intocáveis" traz uma reflexão social contundente. Polarizando apenas inicialmente, enxergo que o filme tem numa ponta a burguesia tetraplégica e na outra todas as energias e defeitos possíveis do imigrante. Porém o filme se despolariza quando a mente dessa burguesia, a sua unica coisa funcional, resolve se abrir para a aproximação do seu oposto social.

O resultado é uma das expressões humanistas mais sólidas que vi recentemente no cinema. Todos os valores burgueses apresentados no filme soam como veículos podres num estacionamento abandonado, porém eles se movimentam, não são tetraplégicos e buscam se impor de uma forma visivelmente inadequada. O humanismo do filme se estabelece por não criar vitimização no personagem imigrante e muito menos em relação aos seus parentes e amigos da periferia parisiense.

Lançando-se em sentido contrário, "Intocáveis" mostra que a aproximação de opostos sociais não representa a soluçao dos problemas de nenhum dos lados, ela expõe que basta não enrijecer padrões e pensamentos. Continuamos sempre com todos os conflitos e desafios aos quais a vida nos leva.

22 outubro 2012

Em Salvador

Fui a Salvador para participar do Festival Nacional 5 Minutos, dedicado à produção de curtas com até 5 minutos de duração. O festival é bem charmoso, publico participativo e um espirito jovem com a presença de realizadores de várias idades e de cantos diversos do país.

Segue aqui os poucos registros que fiz dessa minha primeira visita a Salvador.

BAR DO ESPANHA. Boteco antigo localizado em frente à Sala Walter da Silveira, onde aconteceram as exibições do Festival 5 Minutos. O nome do bar vem do antigo proprietário que é espanhol. Antigo, cerveja barata, um ótimo sanduíche de pernil e boas conversas.



PELOURINHO. Passei uma tarde inteira percorrendo as ruas do Pelourinho. Abaixo estou num pátio interno da Igreja da Ordem 3ª dos Franciscanos, lugar agradável, silencioso e com a bela companhia de um relógio de sol. Mas gostaria de ressaltar outros dois lugares do Pelourinho que são marcos do cinema nacional, um deles é a igreja e a escadaria onde foi rodado "O Pagador de Promessas", e o outro, ao lado dessa escadaria, é o ateliê de Jayme Figura, onde foi rodado o curta "O Sarcófago", de Daniel Lisboa. E bem ao lado desses dois marcos há um boteco de primeira: o Bar do Carmo. Ao final da visita ao Pelourinho desci e subi o elevador Lacerda para visitar o Mecardo Modelo.


PRAIA DO FLAMENGO. Sim, em Salvador também tem uma praia com esse nome. A sugestão foi de Daniel Lisboa, que considera que talvez eu seja o único sujeito na história que pegou um ônibus do Porto da Barra até essa praia. Foi uma hora pra ir e uma hora e meia pra voltar em ônibus urbano preço da passagem R$2,80 em outubro de 2012. Porém, como vocês podem perceber abaixo, o esforço foi recompensadíssimo. A viagem de ônibus foi massa porque percorreu toda a orla de Salvador e assim fui conhecendo todas as praias com um visual belissimo do mar. Passei pela famosa Itapoã, que apesar de todas as críticas, é arrumadinha, mas realmente pouco recomendada. Passei mais de três horas na praia do Flamengo, um descanso agradável, brisa e um bom banho de mar.



Conheci também: Acarajé da Dinha, Acarajé da Rosa (em frente à Biblioteca Publica nos Barris), praia do Porto da Barra, Farol da Barra, restaurante Líder (famoso por seu sanduíche de pernil), Cinema Glauber Rocha Espaço Itau de Cinema, Corredor da Vitória, Rio Vermelho, boteco na rua Carlos Gomes esquina com a ladeira da Lama, bar Ancora do Marujo (também na Carlos Gomes), Arena Fonte Nova (em construção).

06 outubro 2012

Celebração para a cidadania - Outubro 2012

Caros amigos e conhecidos, escrevo aqui por um sentimento de cidadania.

Amanhã São Paulo precisa tomar um rumo, não pensemos em soluções ideais, não pensemos na moralidade 100%, nem dentro de casa conseguimos ser assim.

Pensemos em projetos, pensemos em bases, pensemos em erros e acertos, pensemos em humanismo, em agregar, pensemos contra qualquer tipo de intolerancia.

Deixo aqui a sugestão de Fernando Haddad por três bases de seu programa de governo: O Arco do Futuro, Bilhete Unico e reorganização das subprefeituras.

É o unico candidato que fala em calçadas: "Criação do programa de recuperação de calçadas 'Caminho Seguro'". É o unico candidato que fala em desestimular o uso do automovel. Dificilmente ele construirá tudo em 4 anos, mas plantará bases, e daqui a 4 anos, exercendo a nossa cidadania, avaliaremos e optaremos para o que for melhor.

Vamos ler o seu programa de governo:  clique aqui

Chega de discusos fáceis, de discursos que estimulem a nossa revolta imediata e consumista. Precisamos nos revoltar na cidadania para estimular o bem comum, a coletividade, a harmonia de convivencia e não somente a importancia individualista do meu quadrado.

Por favor não busquemos o mais ideal dos governos, a politica é um processo, são etapas longas, dificeis, impregnadas com o cancer da corrupção. Mas se virarmos as costas e pensarmos somente no nosso bem estar indiviudal, a política pouco avançará e o resultado é uma bárbarie, é uma metropole sem humanidade. Eu prefiro agir.

Confesso que em todos os governos do PT pelos quais vivi (prefeitura de são paulo, Lula e Dilma) pouco me beneficiaram, não usufrui de seus programas sociais, não melhorei de vida nem ascendi socialmente, mas vi um país que se tranformou. É obvio que houve erros e excessos, é obvio que não foi, novamente uso essa palavra, o ideal, mas fez avançar, moveu o curso da História. Pensemos que no governo Lula foi onde mais houve mecanismos de combate à corrupção, para todos os lados.

Aqui é um desabafo de quem realmente ama viver em São Paulo, que não a ofende por suas dificuldades e sim celebra o que de melhor ela oferece.

Vamos celebrar!

26 junho 2012

A jovem funcionária da loja de roupas

Foi na porta de uma loja de roupas que ela desafiou a sua própria insegurança. Precisava entrar para trocar uma saia comprada no dia anterior. Como ela podia compreender aquela troca? Insatisfação!

Sua mente se perturbava com as constantes insatisfações e naquela loja ela estava disposta a dar um basta nisso.

Procurou uma vendedora, tentou achar aquela que seria a mais nova da loja. Encontrou uma moça com piercing na sombrancelha, explicou que precisava trocar a peça de roupa e pediu algumas sugestões. A antendente, com uma invejável sutileza, indicou que a sua cliente não combinava com saias e seria melhor trocar por uma calça.

Perfeito. Como resposta a insatisfeita mulher vociferou palavras duras à jovem funcionária da loja de roupas, esbravejou que a opinião dela era rala e que não devia se intrometer com observações inadequadas. Foi uma busca incessante por todos os tipos de humilhações possíveis.

Uma funcionária mais velha tentou apaziguar a situação constrangerdora e não conseguiu. As palavras jorravam com um ódio que mesclava irritação com vontade de poder.

O poder escorria pelas entranhas da mulher insatisfeita. Isso a motivou para não mais se preocupar com a saia e somente expor ao mundo o seu modo de se sentir superior.

E o que fez a jovem vendedora? Nada. Apenas escutou de cabeça baixa. Em seus pensamentos navegava apenas a ansiedade para que tudo aquilo acabasse logo.

Sim, ela sentia um gigante desprezo por aquela mulher que a humilhava. Um insignificante inseto era a imagem que sua mente elaborava daquela mulher. A moça apenas reduzia, por meio de sua imaginação, a cliente a um nada, a uma existência detestável e condenável. Porém ela não tinha poder e seu castigo era o silêncio.

Duas horas depois.

A mulher vestia a saia que ela não trocou e se olhava no espelho. Sua mente era um poço de dúvidas.

A jovem funcionária enxugou as lágrimas quando descobriu que seu namorado sairia mais cedo do trabalho.

20 junho 2012

25 minutos

Tempo restante de bateria do computador: 25 minutos.

O que falar?

Parece que durou 25 minutos a Erundina como vice na chapa de Fernando Haddad, candidato petista à prefeitura de São Paulo.

Vi manifestações de indignação de diversas pessoas após o aperto de mão entre Lula e Paulo Maluf para consolidar o apoio do partido deste último ao PT nas eleições municipais paulistanas. A decisão de Erundina também faz parte dessas manifestações.

Não fiquei indignado. Compreendo a aliança.

Não é uma situação ideal, obviamente. Eu gostaria muito que não acontecesse, porém não me surpreendo com nada na política, é um campo onde a complexidade das relações me fascina e desafia.

Votarei 13. Meu voto em Fernando Haddad é certo. Esta certeza não acontece porque o PT é o melhor para administrar a cidade e sim porque é o partido mais adequado. Não entrarei aqui nos detalhes de todas as minhas motivações em votar no PT, mas irei expor a minha verdadeira preocupação no cenário político.

Enquanto não nos determos em valorizar o nosso voto, e isso significa em um acompanhamento dedicado ao significado de cada instituição política, tudo ficará mais difícil e sair criticando apertos de mão simbolizará indignação, mas na verdade será reforçar um estreito campo de visão.

Enquanto a eleição para os cargos legislativos (Deputados federarais e estaduais, e vereadores) for encarada por uma leviandade pelos eleitores brasileiros, jamais conseguiremos ampliar os verdadeiros debates. Todos aqueles mais de um milhão de eleitores que elegeram Maluf deputado federal em 2006 e depois em 2010 precisam refletir muito sobre isso.

Se partidos como o PP (de Maluf) e o PMDB (de Sarney) possuem força e levam o Lula a alianças condenáveis pelos puristas da politica, isto se deve ao desleixo que temos ao eleger os ocupantes de cargos legislativos.

Reformemos pelo voto. É a única bandeira que levanto.

12 junho 2012

Tantas Polônias

10 de junho de 2012: um domingo de Polônias.

No volei, o Brasil enfrentou o país do Solidariedade tanto no masculino como no feminino. Vencemos em ambos. Na TV acompanhei a Eurocopa e assisti ao confronto Espanha x Italia que aconteceu em solo polonês na portuária cidade onde Walesa fundou o Solidariedade.

Pra encerrar o dia assisti a "Violeta foi para o céu", filme de Andrés Wood sobre a cantora chilena Violeta Parra. Além do céu, Violeta também esteve na Polônia, não neste mesmo domingo, obviamente.

Eu não havia curtido nem um pouco o trailler deste filme, estava bem receoso, até mesmo porque o filme anterior de Wood, "Machuca", eu também não havia gostado. Mas era um domingo que encerrava um feriado prolongado e o horário da sessão me permitia voltar pra casa sem virar abóbora (ou jerimum).

Fui conhecer Violeta Parra.

Méritos com louvores para o filme e sua estrutura fragmentada. Acredito que a complexidade de Violeta, sua força na música e no pensamento em relação ao mundo, foram transferidos para a tela com uma precisão rara de ser vista em filmes biográficos. O filme consegue cativar.

Certa vez um polonês que estudava espanhol na Argentina e que namorava uma brasileira me disse que na Polônia tomar vodka é um evento especial, geralmente consiste numa celebração com amigos próximos e por um belo motivo. Lembrei disso antes de dormir já na madrugada do dia 11 de junho.

Sabe o que aconteceu no dia 11 de junho de 2005? Uma parada do orgulho gay em Varsóvia que havia sido proibida no dia anterior pelo prefeito desta cidade.

E no dia 10 de junho de 2012? A parada GLTB de São Paulo.

Alguém tem vodka?

02 maio 2012

Sim, eu vou a algum lugar

Por muito tempo considerei que o contato com o rock mais importante da minha vida foi quando peguei emprestado de um amigo uma fita cassete em que estava gravado nos lados A e B a sonzeira dos Ramones. Foi uma verdadeira revolução aos 16 anos. Eu havia encontrado uma música que ultrapassava os meus ouvidos rasgando qualquer racionalidade pra despertar a minha alma.

Hei ho let’s go!

Pois bem, na quinta-feira de aleluia do ano cristão de 2012 assisti ao filme “Raul, o Início, o Fim e o Meio”, de Walter Carvalho, e uma outra revelação se deu.

Como um autêntico membro da geração X, minha infância percorreu os anos 80. Considero como marco inicial da infância o urso no maravilhoso mosaico das olimpíadas de Moscou de 1980 e curiosamente a imagem mais marcante está no final do evento olímpico com o gigantesco urso chorando ao se despedir.

Hoje enxergo esse choro como um elemento sensivelmente simbólico, ali estava uma despedida muito maior, a década que se abria faria o mundo girar em outra direção. Tínhamos um novo papa, Thatcher e Reagan. Algo ficava para trás e eu estava começando a minha vida em cima de escombros (ver o meu texto “Escombros Manauaras”).

O punk vociferava!

Em mim, o mundo não somente girava, como também se fazia perceber e posso dizer que consumi toda a cultura dos anos 80 para crianças: Spielberg, Balão Mágico, Os Trapalhões, Roque Santeiro, Domingo no Parque, Caverna do Dragão e minha mãe usava ombreiras.

E num desses consumos, um musical da Globo protagonizado pela Aretha, filha da Vanusa “Hino Nacional Forever”, vi pela primeira vez um cara chamado Raul Seixas.

Sim, foi com Plunct Plact Zuuum Você Não Vai a Lugar Nenhum...

Era um período negro na vida do grande Raul onde o fundo de um poço lhe tocava os pés. Porém repassando esse momento no filme de Walter Carvalho pude perceber que aquele carimbador maluco atordoando uma meninada que queria voar numa espaçonave foi o primeiro cara rock'n roll com quem tive contato. Aos 8 anos de idade eu só falava dele no colégio e por muitos anos a cena ficou na minha cabeça sem perder nenhum detalhe.

Os anos passaram e nunca mais eu havia ouvido falar de Raul até o dia da sua morte que vi nos noticiários da TV. Minha mãe, que nunca foi chegada em rock, lamentava tanta homenagem, pois ela dizia que ele estava esquecido e que depois de morto resolveram reverenciá-lo, pra ela era uma injustiça com esse maluco beleza.

Passei a escutar Raul bem depois da minha iniciação com Ramones e me senti sintonizado com a sua música. Hoje essa sintonia é um tanto menos, mas é inegável que sua voz e acordes caminham pelas entranhas. Não é uma música para ficar parado, ela te move para algum lugar.

Foi com essa percepção que duas cenas do filme me fizeram refeltir mais sobre Raul. Seu canto se faria compreender em gerações futuras, distantes da sua, por mais que minha mãe considerasse isso injusto.

A primeira cena é logo no começo do filme. Raul, no início dos anos 70, cantando no Anhembi em São Paulo. No palco ele se contorce, solta a voz com vigor, explode em extase e com um batom faz um desenho no corpo. Fiquei super curioso pra saber como a plateia então estava reagindo e pra minha surpresa todos estavam sentados. Os rebeldantes anos 70 estavam apenas observando Raul.

Mais para o final do filme, quando são mostradas cenas dos últimos shows de Raul pelo Brasil afora no final dos anos 80, o que temos é um público ensandecido, pulando Raul na essência do Rock, na alma mais profunda do Rock. O grande X de uma geração se soltava para alcançar siderais mais longinquos que a nave da Aretha.

Valeu Raul, cada vez mais eu tenho certeza de que vou a algum lugar... já tenho o carimbo de sua música.

13 fevereiro 2012

O futebol nasce torto e sem tapete

O trapézio, não aquele feito para voar embaixo das lonas circenses, e sim aquele das aulas de geometria, possui dois lados congruentes e isso o difere fortemente de um retângulo, cujos lados precisam ser paralelos. Essa não congruência dos lados de um retângulo leva ao jogo de futebol a formação ideal para o seu palco, onde artistas, talentosos ou não, desenvolvem suas habilidades, boas e ruins, com a bola.

 
No segundo domingo de fevereiro de 2012, fui ao Itaú Cultural em São Paulo e me deparei com uma obra que me tocou um bocado. Na parede estavam expostas três fotos grandes que traziam o registro de três campos de futebol de várzea. A menos de um metro desses quadros se encontrava um tablado de madeira e em cima dele um arquivo, também de madeira, aberto e com as suas tradicionais subdivisórias de letras.

Fucei no arquivo e fui direto na letra ‘W’. Lá haviam alguns papéis dobrados, escolhi um a esmo e quando o abri vi que era a foto áera de um campo de futebol de várzea, trazendo no rodapé o nome do que supus ser o bairro, região ou cidade onde tal campo se encontra. Percorri as demais letras e encontrei outras visões aéreas desses redutos do futebol brasileiro.

Inicialmente, eu pegava uma foto, desdobrava e após admirar dobrava novamente e a devolvia ao arquivo de madeira. Mas fiquei tão instigado com aquelas fotos que comecei a abri-las e espalhá-las pelo tablado de madeira, montando a minha exposição de fotos de campos de futebol de várzea.

E eis que pude perceber os expressivos trapézios.

É incrível como a demarcação das quatro linhas dificilmente sugeria algum paralelismo. E logo pensei que, se ali está o nascedouro dos nossos craques, portanto é um nascimento torto e que felizmente não assassina, apesar de maltratar, o talento de alguns deles.

Porém outra questão, talvez filosófica, surgiu. Penso que os valentes jogadores desses campos acreditam que expressam seus dons futebolísticos dentro de um retângulo. A visão aérea em suas mentes é de um retângulo. O que isso significa? Não sei, é uma das viagens que tive olhando para aquelas fotos em cima do tablado de madeira.

Outra viagem foi perceber que nesses rincões do futebol amador não há tapetes. O campo não desfruta de plantações de grama, é terra e somente terra. O que me fez pensar o quanto arenoso se torna o esporte bretão, algo rústico, mas também cruel. O convívio do futebol com a sordidez de seu palco pode limitar alguns craques inspirados, mas invariavelmente nunca acabará com a alegria de um gol marcado.

A arte do futebol não precisa de linhas paralelas e nem de um bom piso, precisa de alegria e vontade.

Sejamos artistas!

02 fevereiro 2012

Ferramenta

Uma das características de um cinéfilo é ir ao cinema por causa de determinador diretor, tudo que importa é que o cara fez outro filme e agora precisa ser visto. Foi com esse espírito que me dirigi ao cinema para assistir a “Os Descendentes”, estrelado por George Clooney e dirigido por Alexander Payne.

O filme anterior desse diretor, “Sideways”, foi arrebatador pra mim, acredito que numa simples história winemovie, ele conseguiu carregar sérias questões sobre os valores que nesse início de século começam a se tornar cada vez mais cruéis. E justamente por ter absorvido na narrativa o tom da crueldade e expor uma espécie de beco sem saída no qual se tornou a miséria humana, que considerei “Sideways” um filme marcante.

Em “Os Descendentes” considero que faltou coragem em levar a cabo a miséria humana e suas profundas cicatrizes. Há no enredo um terreno fértil para encarar de frente, e sem maquiagens, o que se produz de podre nas relações afetivas e econômicas, mas o solo foi pouco explorado.

Particularmente busco contextualizar os filmes com a sua época. “Sideways” foi realizado durante um governo Bush que teimava em se sustentar como protetor do mundo e consolidava seu desprezo cruel com os seus cidadãos mais comuns. “Os Descendentes” está num governo Obama, que apesar de uma crise crônica, parece jogar com a esperança.

Justamente o que faltou a Payne foi questionar a esperança sem a mínima compaixão.

Ele até ensaia esse questionamento, no melhor momento do filme e de George Clooney, mas abandona. Esse abandono esquarteja o filme e o transforma num drama de superação num estilo “Yes, we can” (Sim, nós podemos).

Que pena.

O século avança, temos condições melhores de vida do que há 100 anos, mas os desafios aumentam e não podemos atenuá-los com a esperança; cabe salientar que não precisamos exterminar qualquer forma de esperança, e sim guardá-la como uma ferramenta, não como uma solução.

05 janeiro 2012

Barra de Maxaranguape

O meu objetivo inicial era ir a São Miguel do Gostoso, município localizado ao norte de Natal, cuja tranquilidade e belas praias são seus atrativos. Planejei passar ai uns cinco dias, incluindo o natal. O plano era viajar sozinho e dedicar os momentos para leituras e meditação.

Antes de fechar reserva em alguma pousada, escrevi ao meu amigo Henrique, que mora em Natal e que é um dos organizadores do festival Goiamum; certa vez ele me falou sobre uma casa que possuía na praia, e no email que lhe enviei perguntei onde era essa casa. Ele me respondeu que fica em Barra de Maxaranguape e que a colocaria à minha disposição.

Resolvi aceitar o convite e passei três dias em Maxaranguape. Depois continuei minha viagem indo a Pipa/RN, João Pessoa/PB, São Bento do Norte/RN e Galinhos/RN. Não visitei São Miguel do Gostoso, que ficará para uma próxima oportunidade.

Em Barra de Maxaranguape pude desfrutar de sua tranquilidade, iniciar minha leitura das “Confissões” de Santo Agostinho e tomar bons banhos de mar.

Com uma gentileza ímpar, Henrique me buscou no aeroporto de Natal, pernoitei em sua casa e na tarde seguinte ele me levou a Maxaranguape. A casa dele é espaçosa, confortável e com uma varanda de frente para o mar bem à beira da praia.

Vista da varanda da casa:





Maxaranguape é uma cidade de pescadores, pequena, modesta e tem um litoral incrível e deserto. Há pouquíssimas pousadas, todas de pequeno porte. Há um comércio variado, com supermercados, lojas de construção, roupas, variedades, farmácias e lan house.

Para comer há poucas opções à beira-mar, todas com preços bem acessíveis. Dentro da cidade, existem restaurantes que servem refeições completas de peixe, frango ou carne de sol (acompanhando arroz, feijão, macarrão e salada). Vale sempre a pena solicitar pratos com peixe, incluindo lagosta que é servida nos restaurantes da praia.

A cidade é cortada por um rio que deságua no mar e que forma um visual bem bonito. Há uma balsa que transporta carros e pessoas como ligação para a cidade vizinha de Muriú.

Local onde o rio desagua no mar:







A praia não tem agito, é pouco frequentada e não há um fluxo intenso de turistas. Boa parte da extensão da praia é deserta. O mar é um pouco agitado, mas sem problemas para o banho.



Ao norte da praia localiza-se o Cabo de São Roque, conhecido como o ponto do continente americano mais próximo da África e da Europa (não confundir com João Pessoa, que é o ponto mais oriental do continente, porém não o mais próximo da África). Uma caminhada até lá vale muito a pena, o local é cercado por uma falésia e na parte alta encontra-se um farol.

Cabo de São Roque:


Ao sul está a praia de Muriú. Com a maré baixa, é sugestivo caminhar pela praia até lá. No caminho encontram-se belíssimas praias desertas, boas para banho e meditação.

Praias a caminho de Muriú:






Outra atração que recomendo em Barra de Maxaranguape é o nascer do sol, que acontece por volta das 5h da matina. É possível ver o sol surgir no horizonte do mar.




Maxaranguape é ideal para descansar, fazer boas caminhadas, curtir um banho de mar e conviver com a população local.

Como chegar:

Não há ônibus para Maxaranguape. O transporte é feito por táxi-lotação que serve tanto a Natal quanto às cidades vizinhas. É um transporte organizado com associação e serviço eficiente. A única questão é que geralmente é necessário esperar que a lotação atinja três pessoas, às vezes até sai com duas e vai pegando pessoas pelo caminho. O valor Natal-Maxaranguape sai em torno de R$8,00. Caso deseje-se que o táxi leve a algum destino da cidade mais distante como a rodoviária ou Ponta Negra, o valor pode chegar a R$15,00.

Para ir de carro, o percurso é pela BR 101, há placas indicando a entrada.

É possível chegar também pela praia com buggy ou carro com tração 4x4.




02 janeiro 2012

Velocidade

Ela corria como ninguém. Ela era imbatível com os seus vinte e sete anos. Além do treino constante, suas pernas eram movidas por paixão. A velocidade nos seus passos representava uma conquista diária. Não podia haver limites, uma superação deveria vir após a outra.

Até que um dia seus olhos acordaram vendados, era um tecido macio e com um perfume agradável. Logo em seguida percebeu que suas pernas estavam amarradas à cama. Sentou e tentou desatar o nó da venda, não conseguiu. Reuniu todas as forças de suas mãos e não obteve nenhum sucesso. O mundo estava às escuras.

Suas pernas também.

Gritou o grito mais doloroso de sua vida. Gritou por ajuda e por desespero. Nenhuma resposta. Lágrimas e um choro de dor tomaram conta de seu rosto e umedeceu o pano perfumado.

Deitou novamente e fechou os olhos. Percebeu que o mundo era o mesmo. Escuridão e medo.

Quis adormecer e não conseguiu. Pensou que talvez um sonho pudesse lhe consolar. Lembrou de um sonho que teve há dois anos, em que a lua cheia iluminava várias pessoas correndo, mas aos poucos elas iam desaparecendo, restando-lhe uma amiga e um homem que ela jamais havia visto. Quando o homem parou de correr tudo se iluminou e um branco tomou conta de seus olhos. Desde então acreditou que aquele homem pudesse existir de verdade e que talvez fosse bom encontrá-lo.

Muitas horas se passaram e as forças se esgotaram por completo tentando arrancar a venda nos olhos e as amarras de suas pernas. Ela nunca havia esperado tanto sem poder agir. Buscou algo que distraísse seus pensamentos. Encontrava apenas uma confusão de ideias.

Inquieta, gritou novamente. Sentiu a mão de uma menina soltando suas pernas. Ela levantou rapidamente, tentou arrancar a venda dos olhos e não conseguiu. Tateando pelas paredes e móveis de sua casa, abriu a porta e correu mundo afora.