02 maio 2012

Sim, eu vou a algum lugar

Por muito tempo considerei que o contato com o rock mais importante da minha vida foi quando peguei emprestado de um amigo uma fita cassete em que estava gravado nos lados A e B a sonzeira dos Ramones. Foi uma verdadeira revolução aos 16 anos. Eu havia encontrado uma música que ultrapassava os meus ouvidos rasgando qualquer racionalidade pra despertar a minha alma.

Hei ho let’s go!

Pois bem, na quinta-feira de aleluia do ano cristão de 2012 assisti ao filme “Raul, o Início, o Fim e o Meio”, de Walter Carvalho, e uma outra revelação se deu.

Como um autêntico membro da geração X, minha infância percorreu os anos 80. Considero como marco inicial da infância o urso no maravilhoso mosaico das olimpíadas de Moscou de 1980 e curiosamente a imagem mais marcante está no final do evento olímpico com o gigantesco urso chorando ao se despedir.

Hoje enxergo esse choro como um elemento sensivelmente simbólico, ali estava uma despedida muito maior, a década que se abria faria o mundo girar em outra direção. Tínhamos um novo papa, Thatcher e Reagan. Algo ficava para trás e eu estava começando a minha vida em cima de escombros (ver o meu texto “Escombros Manauaras”).

O punk vociferava!

Em mim, o mundo não somente girava, como também se fazia perceber e posso dizer que consumi toda a cultura dos anos 80 para crianças: Spielberg, Balão Mágico, Os Trapalhões, Roque Santeiro, Domingo no Parque, Caverna do Dragão e minha mãe usava ombreiras.

E num desses consumos, um musical da Globo protagonizado pela Aretha, filha da Vanusa “Hino Nacional Forever”, vi pela primeira vez um cara chamado Raul Seixas.

Sim, foi com Plunct Plact Zuuum Você Não Vai a Lugar Nenhum...

Era um período negro na vida do grande Raul onde o fundo de um poço lhe tocava os pés. Porém repassando esse momento no filme de Walter Carvalho pude perceber que aquele carimbador maluco atordoando uma meninada que queria voar numa espaçonave foi o primeiro cara rock'n roll com quem tive contato. Aos 8 anos de idade eu só falava dele no colégio e por muitos anos a cena ficou na minha cabeça sem perder nenhum detalhe.

Os anos passaram e nunca mais eu havia ouvido falar de Raul até o dia da sua morte que vi nos noticiários da TV. Minha mãe, que nunca foi chegada em rock, lamentava tanta homenagem, pois ela dizia que ele estava esquecido e que depois de morto resolveram reverenciá-lo, pra ela era uma injustiça com esse maluco beleza.

Passei a escutar Raul bem depois da minha iniciação com Ramones e me senti sintonizado com a sua música. Hoje essa sintonia é um tanto menos, mas é inegável que sua voz e acordes caminham pelas entranhas. Não é uma música para ficar parado, ela te move para algum lugar.

Foi com essa percepção que duas cenas do filme me fizeram refeltir mais sobre Raul. Seu canto se faria compreender em gerações futuras, distantes da sua, por mais que minha mãe considerasse isso injusto.

A primeira cena é logo no começo do filme. Raul, no início dos anos 70, cantando no Anhembi em São Paulo. No palco ele se contorce, solta a voz com vigor, explode em extase e com um batom faz um desenho no corpo. Fiquei super curioso pra saber como a plateia então estava reagindo e pra minha surpresa todos estavam sentados. Os rebeldantes anos 70 estavam apenas observando Raul.

Mais para o final do filme, quando são mostradas cenas dos últimos shows de Raul pelo Brasil afora no final dos anos 80, o que temos é um público ensandecido, pulando Raul na essência do Rock, na alma mais profunda do Rock. O grande X de uma geração se soltava para alcançar siderais mais longinquos que a nave da Aretha.

Valeu Raul, cada vez mais eu tenho certeza de que vou a algum lugar... já tenho o carimbo de sua música.