29 novembro 2012

Com uma mala cheia de conselhos

Hoje faz 21 anos que cheguei em São Paulo e fiquei.

O vôo da VASP que me levaria à paulicéia partiria por volta das 14h de Manaus. Acordei tranquilo, um tanto ansioso, mas sem um sentimento de despedida, pois na verdade a única condição para que eu não voltasse seria passar no vestibular, fato que eu não estava tão seguro que aconteceria. Também nenhum medo ou alfição passava na minha cabeça, eu estava indo pra casa do meu pai e isso me dava uma certa segurança.

O dia foi uma grande correria para arrumar as últimas coisas, minha mãe enchia minha mala mais com conselhos do que com qualquer outra coisa. Na minha mente eu ficava imaginando o que seria estar numa cidade com mais de 100 cinemas, naquela época Manaus possuía umas 6 ou 8 salas, no máximo.

Cine Chaplin em Manaus, onde assisti a muitos filmes. na infância e adolescência.

Outras coisas que passavam pela minha cabeça: ver jogos da liga mundial de volei, ir a shows de rock, comprar discos raros e ver o Flamengo no estádio. Enfim, São Paulo representava a verdadeira terra prometida de todas as minhas carências esportivas-musicais.

Lourdes, uma grande amiga da minha mãe desde os tempos da faculdade até hoje, se ofereceu para me levar ao aeroporto. Fomos minha mãe, minha vó e minha irmã que na época tinha 5 anos de idade. Antes de entrar na sala de embarque me despedi de todas elas com abraços e de repente eu olho pra minha mãe e pela primeira vez na vida eu vi lágrimas em seus olhos.

Obviamente eu já havia visto minha mãe muito nervosa em diversos momentos, mas aquele tipo de emoção era inédito pra mim, apesar de uma dificuldade ou outra o ambiente em casa sempre foi de muita leveza, carinho, alegria, sem melancolias.

Minha mãe não estava exatamente chorando, mas seus olhos estavam bem úmidos e ela nitidamente estava segurando a sua emoção. Curiosamente não entendi muito aquele momento,  lá no fundo eu não via aquilo como uma despedida, sei lá, eu achava que muito em breve estaria de volta. Hoje acredito que de algum modo ela sentia que havia chegado a hora do filho sair do ninho de vez. Aquelas lágrimas estavam certas.

Fiz o check in e fui à sala de embarque.  Já com um espírito de independência, fui à lanchonete e pedi uma cerveja, uma skol em lata. Sim, o atendente vendeu bebida alcóolica a um menor de 17 anos sem perguntar nada. 

Eu havia conhecido São Paulo quando criança, e isso talvez me deixou com uma sensação de que eu não estava mergulhando num terreno totalmente desconhecido. Algo me excitava, o que minimizou a despedida de uma relação com Manaus que jamais voltaria. Sem me dar conta, eu estava inserindo um novo marco zero na minha vida.

Embarquei no avião airbus A300 num vôo que faria escala em Brasília portando um walkman com o som da banda Fleetwood Mac gravado numa fita cassete. O número de salas de cinema em São Paulo não saía da minha cabeça. Mesmo sabendo que dali a dois dias eu prestaria o vestibular para o curso de engenharia.

Estávamos em 1991 e o Collor ainda era presidente.

A aeronave começou a taxear, saiu do terminal e ficou parada alguns minutos antes de se dirigir à pista para decolar. Nesse momento, olhei na direção do aeroporto e pude ver no terraço, escoradas no parapeito, minha mãe, minha vó, minha irmã e uma quarta mulher. Ninguém mais.

Essa imagem se fixou em minha memória com uma força incrível.

Foi então que eu senti o peso daquela partida.


 Não passei no vestibular e uma nova história começou.
 

11 novembro 2012

Kaliningrado

Na calçada ela encontrou uma pequena carteira vermelha, olhou para os lados e pegou o acessório em movimentos bem rápidos. Soraia resolveu abrir a carteira. Estava vazia.

A mãe de Soraia morava num apartamento bem charmoso, poucos móveis e bem decorado. Ao receber da filha a carteira vermelha encontrada na rua, a reação da mulher de 50 anos foi dizer que não havia espaço nem pra moedas e que não conseguia ver uma utilidade para um objeto como aquele. Soraia tentou convencê-la a ficar com a carteira e o que se sucedeu foi uma interminável discussão entre mãe e filha.

Naquela noite Soraia foi a um clube noturno e dançou muito.

Tudo que Soraia, mística e esotérica, compreendia era que aquela carteira naquela calçada teve a cósmica função de agravar o seu conturbado relacionamento com a sua genitora. Soraia sentia revolta. Soraia teve um plano.

“Ao encontrar essa carteira, por favor me escreva dizendo o que aconteceu com você no dia seguinte, bjs Lua escrevapralua@gmail.com”. Foi esse o bilhete que ela deixou no interior da carteira antes de abandoná-la num centro comercial.

Seis dias depois ela recebeu a seguinte mensagem:

“Oi Lua,

Não aconteceu nada!

Bjs

Sol”.

Além da frustração com a lacônica resposta, Soraia nadou na dúvida se Sol era do sexo masculino ou feminino. Prudentemente, resolveu não responder ao email para sanar sua dúvida.

Sim, Soraia possuía perguntas sem respostas e precisava aprender a conviver com isso.

Soraia esqueceu da carteira vermelha e recentemente visitou a sua mãe. Brigaram novamente por causa de uma prima que fuma maconha.