03 julho 2013

Estado e Comunicação

O texto aqui surge da reflexão sobre a necessidade de uma compreensão do papel do Estado nos dias atuais, e como isso evidencia a luta de classes e pode, com mecanismos de comunicação, aprimorar a organização dos trabalhadores. A referência é o livro de Lenin “O Estado e a Revolução”, por um lado como uma lanterna que ilumina o caminho para uma clareza dos conceitos fundamentais e assim fortalecer as bases do conhecimento do Estado, e por outro lado num aspecto mais crítico a essa obra em função de se abrir o debate para a realidade do século XXI. Iniciarei com o trecho de uma carta de Marx que é citada por Lenin nesse livro:

“O que eu fiz de novo consiste na demonstração seguinte: 1º que a existência das classes só se prende a certas batalhas históricas relacionadas com o desenvolvimento da produção; 2º que a luta das classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3º que essa própria ditadura é apenas a transição para a supressão de todas as classes e para a formação de uma sociedade sem classes.”

A análise de Lenin sobre essa passagem é interessante, ele destaca que a luta de classes não é o essencial do pensamento de Marx, até mesmo porque isso já havia sido desenvolvido por pensadores anteriores. Lenin destaca o seguinte:

“Quem só reconhece a luta de classes não é ainda marxista e pode muito bem não sair dos quadros do pensamento burguês e da política burguesa. Limitar o marxismo à luta de classes é truncá-lo, reduzi-lo ao que é aceitável para a burguesia. Só é marxista aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado. A diferença mais profunda ente o marxista e o pequeno (ou grande) burguês ordinário está aí. É sobre essa pedra de toque que é preciso experimentar a compreensão efetiva do marxismo e a adesão ao marxismo.”

Pois bem, vivemos atualmente em uma luta de classes e o caminho precisa ser direcionado à ditadura do proletariado, não temos as condições para a eliminação direta das classes e conforme exposto por Marx, isto seria uma terceira etapa exatamente sob a ditadura do proletariado. Faço inicialmente uma provocação: levando-se em conta a cultura capitalista imersa nos valores contemporâneos, sobre quais bases um marxista, por meio de um processo de comunicação, aproxima-se de um trabalhador assalariado comum e lhe orienta sobre a luta de classes vivida por todos nós e que, ao contrário do que esse trabalhador possa imaginar, o caminho para uma sociedade justa não passa pelo seu desejo de ascensão social, e que ele deverá fazer parte de uma revolução?

Obviamente que um marxista não é um pregador de praça pública, se bem que isso também pode ser necessário, mas a trajetória dos marxistas atualmente é pela sua organização, há um partido com uma orientação para a constituição da vanguarda que deverá conduzir os trabalhadores assalariados comuns para a revolução, para o caminho do socialismo. Assim, meu ponto de vista é que a comunicação socialista precisa ampliar para junto dos trabalhadores a compreensão do que é um Estado e como uma cidadania progressista estimula a vontade de participação e aí sim abrir caminhos para quais transformações, ou revoluções, podem realmente ser estabelecidas.

Segundo Lenin, há dois processos no caminho para o Estado sem classes, o que na verdade seria um não-Estado, pois o Estado existe como instrumento de opressão de uma classe sobre a outra, extingue-se as classes, o Estado perde sua função. O primeiro processo é a necessidade de uma revolução violenta para derrubar o Estado burguês ou capitalista; o segundo é o definhamento do Estado proletário ou ditadura do proletariado. A condução dos dois processos está nas mãos do proletariado ou classe trabalhadora. Lenin diz:

“A substituição do Estado burguês pelo Estado proletário não é possível sem uma revolução violenta. A abolição do Estado proletário, isto é, a abolição de todo e qualquer Estado, só é possível pelo ‘definhamento’”

Lanço outra provocação: será que a nossa comunicação está dando conta de deixar claro o significado desses dois processos (revolução violenta e definhamento)? Como adaptamos esses dois estágios para os dias atuais? O ponto de partida é a organização dos trabalhadores assalariados, incluindo aí autônomos e trabalhadores que possuem seus próprios negócios em escalas bem menores do que dos grandes capitalistas. Essa organização passa pela comunicação, fazer com que esses trabalhadores compreendam primeiramente a qual classe pertencem, como o Estado atual é opressor e por fim o seu papel como classe.

Eis que surge uma dificuldade, os valores da sociedade capitalista e de consumo, reforçados pelo neoliberalismo, leva ao individualismo mais agressivo, aquele em que o indivíduo se vê como não relacionado diretamente ao Estado, pois este se ausentou de um papel preponderante na sua formação; temos saúde, educação e lazer como bens privados, como mercadorias. O Estado se faz presente para esse indivíduo de formação capitalista apenas para a sua segurança, que nos dias de hoje, em especial no Brasil, recebe fortes críticas.

Outro aspecto que lança os cidadãos contra o Estado são os impostos, é quase senso comum que a carga tributária é abusiva e as pessoas gostariam muito de se afastar de suas relações com o Estado por conta dessa carga. Ainda segundo esses valores, o Estado não é reconhecido como um instrumento de opressão, pelo contrário, é visto como uma instituição fraca e que cada indivíduo é capaz de sobreviver sem ele. Ironicamente, há o sentimento em alguns cidadãos de que não há necessidade de viver com a presença de um Estado, sendo preferível sem ele e com os recursos capitalistas necessários.

O Estado oprime principalmente por conta de suas relações econômicas, pois faz assegurar os valores capitalistas que formam culturalmente o indivíduo, vivemos uma opressão cultural, norteada expressivamente pelo consumismo; “eu posso ter”, “eu posso pagar”. Quando Lenin fala de uma substituição violenta, enxergo que hoje isso não passaria necessariamente por armas e mortes, e sim excluir consideravelmente o apego ao consumismo. A luta hoje é ideológica e as armas são os mecanismos de comunicação.

A comunicação deve seguir o caminho para expor uma real compreensão da máquina do Estado nos dias de hoje. Lenin cita a máquina composta por uma burocracia administrativa e um exército permanente, que possuem o objetivo de defender os interesses da classe opressora. A revolução, segundo ele, visa destruir essa máquina e substituí-la por uma nova com a classe trabalhadora à frente. Acrescento que atualmente essa máquina possui ainda os meios de comunicação junto a ela, estes defendem os interesses lançando uma cruzada ideológica do individualismo, do consumismo e da vitória do capitalismo, quando bem sabemos que o sistema capitalista vive uma crise sem saída.

Lenin diz:

“É precisamente a pequena burguesia que se deixa atrair pela grande burguesia e subordinar-se a ela, graças a esse aparelho que dá ás camadas superiores do campesinato, dos pequenos artesãos, dos comerciantes, etc., empregos relativamente cômodos, tranquilos e honoríficos, cujos titulares se elevam acima do povo.”

Precisamos romper esse elo de atração, que hoje é fortificado ideologicamente pelos prazeres do capitalismo que, segundo a burguesia, venceu e se solidificou como modelo, ideologicamente o espaço para o socialismo está sendo minado. Antes de avançarmos na transformação do Estado há uma necessidade de vencer a luta ideológica. Como enxergo o caminho para a luta? Começarei novamente citando Lenin:

“A revolução capaz de arrastar a maioria do movimento só poderia ser “popular” com a condição de englobar o proletariado e os camponeses. Essas duas classes constituíam, então, ‘o povo’. Essas duas classes são solidárias, visto que a ‘máquina burocrática e militar do Estado’ as oprime, as esmaga e as explora. [...] sem essa aliança não há democracia sólida nem transformação social possível.”

O caminho se abre quando iniciarmos a verdadeira solidariedade entre as classes, quando for possível a compreensão, pelo próprio conjunto dos trabalhadores, de que eles formam um ‘povo’, e que essa constituição passa por um comprometimento solidário de classe. Nos dias atuais temos o contrário, não se busca uma solidariedade em função de um bem comum, a resolução dos problemas mais imediatos parece constituir a única pauta entre os trabalhadores, que enxergo como um reflexo direto da cultura consumista comentada mais acima. Como nos adverte Lenin, precisamos fortalecer essa aliança entre o conjunto de trabalhadores.

Mas qual comunicação é possível? Eis o nosso desafio como marxistas, por um lado é mais do que necessário um domínio de tecnologia, reconhecer que uma geração inteira está crescendo para tocar uma tela muito mais do que escrever num papel. Por outro lado, aprimorar e renovar os termos buscando uma melhor compreensão de conceitos fundamentais, entre eles o papel do Estado no século XXI, suas características primordiais, sua relação com o indivíduo culturalmente formado sob o capitalismo mais agressivo.

Para isso, o desafio nos lança para a nossa capacidade de organização, reunião de discussões capazes de promover o sentimento de reflexão e participação. Visando a reunião solidária dos trabalhadores, precisamos debater amplamente o Estado, suas constituições e instituições, e por quais mecanismos ele opera junto aos cidadãos. Precisamos buscar os meios para potencializar os encontros e as exposições. Não podemos ficar parados para incentivar apenas a agitação política, precisamos reunir, aglutinar para conversar e lidar com as contradições.

Vivemos numa sociedade da informação, estarmos intrinsecamente envolvidos com as suas próprias necessidades nos levará a ter mais armas para a luta. A derrubada violenta prevista por Lenin se concretizará quando fizermos cair as barreiras da ideologia capitalista cravadas atualmente na cultura e na informação. Devemos partir para dentro dos valores consumistas e miná-los por meio das nossas armas da comunicação. Precisamos nos preparar adequadamente.

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