25 fevereiro 2014

Alheios movimentos

Observei os movimentos dela. Antes de encostar o café nos lábios, ela manipulou o celular com rapidez e precisão. Havia uma mensagem firme ali. Seus olhos estavam concentrados.

Enfim a degustação do café.

Não houve reação, a bebida não incorporou nenhuma diferença significativaa àquele seu momento.

Pelo menos ela colocou pouco adoçante. O sabor do café foi pouco machucado.

Ela tirou da bolsa vermelha dois cartões de visita e os leu com atenção, parecia que precisava decidir algo muito importante. Deixou os cartões em cima da mesa e se distraiu com a conversa dos atendentes no balcão. Seus dedos dedilhavam com força na mesa, consegui escutar de longe. Parecia um tique.

Achei estranho que ela demorava a tocar novamente no celular. Refleti sobre o quanto pode ser bom enviar uma mensagem que não precisa de resposta.

Os seus movimentos não eram tão atraentes, fiquei pensando no que faz me aproximar dos movimentos alheios. Achei fútil que isso seja um exercício para a minha imaginação.

Ela se levantou, foi embora e percebi que os dois cartões de visita haviam ficado sobre a mesa.

Foi aí que notei o quanto a conversa dos atendentes era bem interessante e passei a observar os movimentos deles enquanto saboreava a terceira xícara de café sem adicionar açúcar ou adoçante, obviamente.

15 fevereiro 2014

Arraes

O Miguel Arraes foi um grande e inteligente político. Lembro que ele era um dos comunistas que a minha mãe com frequência mencionava quando eu era criança. Se era de fato ou não um comunista, nunca tive a oportunidade de saber na real, mas ele foi um dos meus grandes exemplos de luta anti-FHC, enfrentou fortes batalhas políticas por conta de sua oposição quando foi governador de Pernambuco de 94 a 98. Tristemente, assim como eu, viu a reeleição de FHC e amargou sua não reeleição perdendo a vaga do Palácio das Princesas para Jarbas Vasconcelos, um dos bastiões neoliberais.

Eis que dois de seus legados, o PSB e seu neto Eduardo Campos caminham por uma oposição esbravejada para conduzir um novo rumo pra política nacional, porém pouco contundente nos caminhos que quer seguir. Considero que isso não reflete um novo em essência e carrega pouca clareza na sua relação com os avanços históricos dos últimos dez anos. Campos diz que dará um novo sentido nesses avanços, não enxergo isso e a aproximação com Marina Silva pode soar oportunismo, mas não é,  é sim uma tentativa de agregar modernidade (ou posmodernidade) a uma frente poítica que a meu ver está empolgada em ser uma outra oposição, sem necessariamente ser um exemplo de ação política. Lembremos que muitas das boas transformações que se viu em Pernambuco no governo de Campos foi graças a uma forte articulação federal.

Obviamente e democraticamente, Campos, Marina, e seus seguidores possuem todo o direito de agir dessa forma. Apenas manifesto aqui minha discordância em função do valor que Miguel Arraes construiu como pensamento político, ou melhor, como forma de se posicionar diante dos desafios que uma sociedade precisa enfrentar para constituir seus avanços não somente econômicos, mas principalmente sociais.

Arraes se posicionava sempre por uma luta maior, jamais pessoal e orgulhosa. Isso lhe custou enfretar dificuldades sem precedentes enquanto governador de Pernambuco durante os anos neoliberais de FHC. Foi coadjuvante na corrida presidencial de 2002, compreendia seu próprio papel e mesmo inicialmente como concorrente de Lula (o PSB lançou a candidatura de Garotinho em 2002), o seu lado era o lado das classes menos favorecidas e da luta pela transformação social, e de 2003 até a sua morte em 2005, apoiou o governo mais progressista de nossa história.

Saudades desse comunista da minha infância. Mas enfim, Arraes se foi e prefiro lembrar de sua trajetória quando leio os movimentos de seu neto nos dias de hoje.