17 julho 2014

Uma pequena tatuagem ao lado de um expressivo 435

Reconhecer firma, era pra isso que eu estava naquele cartório num dia muito quente. No painel eletrônico o número era 415, na minha mão a senha era 442 e na mão dela a senha era 435. Duas cadeiras nos separavam e ela estava olhando para o painel eletrônico quando toquei em seu braço e disse: "Faltam vinte!". Seu olhar pra mim revelou o que devia estar em sua mente: "que cara babaca!". Emendei piorando a cantada: "Faltam vinte pra você fazer quarenta". Ela devia ter no mínimo trinta e sorriu, pensei: "sou foda!". Acho que uns três segundos depois ela se manifestou: "Você é muito ruim nisso!".

Mudei de assunto e perguntei sobre a tatuagem que ela tinha no pulso, um trevo de quatro folhas horrível. Ela disse que fazia tempo que havia feito, tipo uns vinte anos atrás e estampou um sorriso muito maldoso. Mas tudo bem, apesar de acreditar que não é num cartório sem ventiladores que a mulher da sua vida irá aparecer, continuei e quis saber se ela desejava fazer mais tatuagens.

Curiosamente ela se animou em conversar.

Começou a falar um bocado de coisas que obviamente já esqueci e no meio do falatório todo eu disse algo como que acho meio louca a coisa, tipo a pessoa envelhece e a tatuagem não, ou vice versa, a tatuagem envelhece porque pertenceu a um certo momento, a um especifico momento. Aí ela me olhou tão ternamente e comentou:

"Acho que a tatuagem se adapta ao corpo, aí é quando você olha pra tatuagem e lembra porque fez, o dia, a intensidade da dor, a reação das pessoas ao verem o desenho, acho que tudo isso vale e faz com que a tatuagem seja e continue sempre bonita"

Sim, me apaixonei num cartório debaixo de um calor insuportável.

Perguntei que outras tatuagens ela gostaria de fazer, a bela balzaquiana disse "pera!" e começou a dedilhar sobre o celular. Nisso o painel eletrônico acusou 435, ela ouviu o apito do painel, olhou pra ele e correu ao balcão. Fiquei perando e pensei comigo mesmo: "Faltam sete".

12 julho 2014

O Escudo de um Pássaro

Foi num dia chuvoso que descobri o quanto ela admirava as nuvens. Chuvas não lhe agradam e melancólica ela estava naquela tarde quando me deu um beijo carinhoso no rosto após eu contar uma piada sem graça.

Quando o céu está aberto e com muitas nuvens, ela dedica horas para exercitar sua imaginação com as diversas formas que cada nuvem faz ao se mover. Histórias, lendas, batalhas e animais povoam sua mente nesses momentos. É uma riqueza de criações.

Depois da minha péssima atuação como humorista ela me confidenciou sobre essa sua atração com as nuvens e desabafou quase em lágrimas como isso a relaxa e o quanto teme que isso se torne uma espécie de doença. Tentei lhe confortar, mas não levo o mínimo jeito nessas coisas, sempre acho que a pessoa fica pior.

A chuva parou e falei pra ela que poderíamos continuar caminhando para não chegarmos atrasados no curso. Ela me disse que precisava passar no banco, me deu outro beijo carinhoso e nunca mais a vi.

No fundo, eu adoro dias de chuva.