06 junho 2008

É só um espelho

Ela não fuma. Tem 28 anos, cabelos vermelhos e respira a fumaça ao seu redor.
Está numa mesa de bar.

Um dia ela fumou.
Sem saber como descarregar as aflições de seu primeiro emprego, o cigarro era um refúgio, um prazer, uma satisfação para afastar de seu consciente tudo que a exigência de uma responsabilidade aos 17 anos lhe consumia.

Toma cerveja, está quente e a sua testa está suada. Deseja entrar naquela noite com muita vontade e libido, mas a maré não colabora. Nenhum dos fumantes ali está em seus planos, um outro bar é a sua meta. É nisso que pensa quando uma moça muito simpática lhe pergunta:

- Tem o telefone da Morgana?

Quer esfregar o suor da testa na boca dessa maldita moça simpática.
Morgana um dia foi sua amiga e um dia deixou de ser, então responde:

- Não.

Vai ao banheiro.
Uma moça, que também tem os cabelos avermelhados, fuma um cigarro e se contempla em frente ao espelho quebrado.
Tudo que ela faz é retocar o batom ao lado dessa fumante e pensa: "É só um espelho."

De manhã facilmente se lembra o quanto libidinosa foi a noite passada.

01 junho 2008

Varanda

Olhos vazios.
Ali naquela garagem tudo que ela lembrava era do momento em que ele se foi. Com a vassoura continuou varrendo o chão empoeirado, depois fechou o portão e o trancou com um grosso cadeado.
Com os mesmos olhos vazios olhou para a fachada da casa da garagem trancada, precisava de algo para continuar, pensou na festa mais à noite, seria bom ver pessoas falando alto, cerveja na mesa e outras coisas que distraem.

Chegou na festa que acontecia num pequeno apartamento no bairro de Sta. Cecília. Era no segundo andar e da pequena varanda se avistava uma pequena praça. Não havia tantas pessoas quanto ela imaginava que poderia haver, todos eram seus conhecidos e a dona da casa era uma moça baixinha de um sorriso aberto e gostoso. Elas se conheceram num curso de teatro, que frequentaram apenas duas aulas para se tornarem grandes amigas.

Seus vazios olhos não permitiram conversar com muitas pessoas, vagueou pela festa com uma taça de vinho e estava sempre sentada em algum canto do apartamento observando as pessoas.

Começava a amanhecer e ela estava sentada num puf de frente para a varanda, ao seu lado uma moça de saia comprida dormia no chão; na cozinha, a dona da casa guardava as sobras da festa; e perto da porta um casal conversava baixinho sentado no chão.

Pensou: outra festa que acaba. Lembrou de uma música de um banda chamada Drugstore: "Another Party is Over".
Desistiu de refletir sobre a garagem vazia, tudo estava varrido para sempre, ainda tinha vinho naquele final de festa e naquela varanda à sua frente estava uma pequena abertura para um dia que nasce, basta isso.

Chegou na parada de ônibus. Sentou nos bancos e esperou. Perto dela uma mulher de meia idade esperava o coletivo em pé, bolsa no ombro e uma sacola plástica pesada na mão, seu olhar também era vazio, mas parecia mais perdido.

E foi assim que dentro do ônibus ela resolveu continuar para nunca mais se perder.