31 agosto 2008

Doce Café

Havia um significado no seu café, servido fora de hora e com muito açúcar.
Ela bateu na porta do meu quarto, seus olhos tristes queriam me dizer alguma coisa, mas tudo que ela fez foi me perguntar se eu estava afim de um café.

Depois que ela foi embora liguei a TV e adormeci.

Era muito difícil morar numa pensão, pois apesar de ter um quarto só pra mim, não conseguia evitar as consultas que me faziam. Aquele lugar tinha um dom para hospedar depressivos, amargurados e solitários carentes. Eu os recebia com paciência, e no fundo sentia que aquilo poderia me enriquecer de algum modo como experiência de vida. Mas não era fácil, o problema não estava em recebê-los ou escutá-los madrugada adentro, o fator mais complicador era a carga de energia negativa que eles deixavam naquele espaço que significava pra mim o meu principal refúgio de privacidade. Essa negatividade gerava em mim uma dor de cabeça insuportável.

E foi assim que ela se aproximou de mim.

Muito antes daquele café ultra doce, ela me parou na entrada da pensão e me perguntou se poderia, além de lavar as minhas roupas, também passá-las. Falei pra ela que o ato de passar minhas próprias roupas funcionava pra mim como uma terapia e que também não teria como lhe pagar por isso. Ela foi enfática e disse que faria tudo pelo mesmo preço.
Eu disse sim.

Duas vezes por semana eu encontrava minhas roupas limpas e passadas em cima da cama.

Desde então nunca mais conversei com ela, somente o essencial sobre os serviços que ela prestara pra mim.

Mas aí ela bate na porta com aquela xícara na mão e tudo o que percebo são seus olhos tristes. E num sentimento de orgulho próprio, fiquei com a certeza de que ela queria me falar alguma coisa que representasse o quanto eu era atraente para ela.
Vã inocência.

Dois dias depois, entrei no quarto e minhas roupas não estavam ali, ótimo pretexto para ir falar com ela.
Cheguei na lavanderia e ela se encontrava sentada num pequeno banco de madeira.
Não enxergava seus olhos, os quais me atraíram para aquela situação patética, mas via suas pernas sob uma saia encolhida até o meio das coxas.

Como é bom morar sozinho...

Perguntei sobre minhas roupas.
Ela respondeu que foram queimadas.

Nunca mais ninguém me procurou para pedir conselhos e nunca mais senti dores de cabeça.