28 setembro 2010

O suor em suas mãos

Lúcia estava correndo, suas pernas aceleravam em ruas escuras, a sua cidade parecia não ter mais fim, prédios, carros, mendigos, engravatados, tudo era cenário na sua desesperada corrida.

De repente ela percebeu que puxava alguém pela mão, era uma outra mulher de cabelos encaracolados cuja mão suava muito. Lúcia sentia que logo perderia o fôlego, mas seu instinto lhe fazia correr cada vez mais...


A mulher escorregou de suas mãos, ela se virou para tentar recuperá-la, mas viu aquela estranha desapercer em um buraco no meio do asfalto. Lúcia não queria se desesperar. Enxugou o suor da outra que ainda permanecia em sua mão e voltou a correr.


A cidade desapareceu.


Lúcia parou bruscamente, estava com medo.


Ouviu uma voz de criança: "Continue!"


Lúcia desabou no chão, sentiu um frio no corpo... teve a impressão de que nada lhe cercava... Andou para a esquerda e não encontrou limites... Suspeitou de ter encontrado o vazio que tanto procurava, a felicidade estava em seu corpo, pensou.


Mas um dia ela chorou, pois percebeu que a vazia vastidão ao seu redor havia chegado em seu coração.

15 setembro 2010

O Grito das Formigas



Chamou a minha atenção a inquietação da fé e a busca de algo sagrado capaz de aproximar o espírito de uma verdade interior que está presente no filme "O Grito das Formigas" (2006), do iraniano Mohsen Makhmalbaf. No enredo um homem e uma mulher recém-casados viajam pela Índia em uma jornada espiritual, ela extremamente religiosa e buscando um sentido para sua fé e ele um ateu que se põe à prova a medida que experimenta as intensas diversidades religiosas de um país.

O filme causou em mim reflexões sobre os contatos que temos com experiências espirituais, inclusive nas condições mais céticas possíveis. Acredito que não há necessidade de encontrarmos um sentido forte quando trabalhamos a própria espiritualidade, é possível termos um caminho a seguir, o qual se torna menos pedregoso quando aliviamos a carga. E como se desfazer dessa carga?

A obra de Makhmalbaf está longe de responder a essa pergunta, porém consegue dentro de uma narrativa sólida com imagens e situações construídas não pelo possível exotismo que um país como a Índia poderias nos oferecer, e sim pelos conflitos internos de seus personagens, a câmera navega pelos universos interiores a partir de uma exploração muito cuidadosa dos pontos de vista de cada um, o espectador é a todo momento convidado a sentir cada experiência. Não há respostas, há um filme provocador.


11 setembro 2010

Saquê número 1

Olhei para o casal de mãos dadas e pensei: na idade dele eu gostaria de ter ficado com uma garota como esta. Mas o que de fato me atraía na companheira daquele rapaz? Talvez ela reunisse todas as qualidades que admiro em uma mulher, não estou certo disso, já nem lembro dela tão bem assim... Quantos pensamentos confusos!

Isso me fez lembrar da primeira vez em que tomei Saquê.

Pouco mais de cinco da manhã de um dia no meio da semana. A moça de olhos graúdos e cabelos escuros curtos dançava freneticamente na pista. Muita cerveja na minha cabeça. Ao meu redor havia homens que desejavam mulheres, e mulheres que desejavam dinheiro.

Ela parou de dançar e fui em sua direção, eu lhe disse algo confuso, ela riu e me falou que os caras de uma mesa estavam pagando muito mais e que ela não podia ficar comigo ali. Dei de ombros e ela se afastou. Voltei a beber cerveja.

Novamente ela dançava na pista, não compreendo até hoje o porquê do meu desejo, talvez ali, há 13 anos atrás, ela reunisse todas as qualidades blá blá blá. Me aproximei novamente dela e perguntei se os caras ainda estavam pagando, sem parar de dançar e balançando freneticamente a cabeça, ela me respondeu que não e me deu o seu telefone dizendo: "me liga amanhã".

Treze horas depois eu liguei e ela atendeu, seu nome era Cláudia. Percebi que ela não lembrava de mim, mas conversamos por quase trinta minutos, marcamos um encontro no dia seguinte.

Passei na casa dela, Cláudia saiu eufórica e me arrastou para um restaurante japonês, onde ela pediu um prato e sugeriu que tomássemos saquê. Resolvi provar, nunca havia tomado. Veio a segunda dose. Conversamos, terceira dose, risadas. Pagamos a conta e na saída pegamos um táxi. Dentro do carro ela conseguiu falar muita coisa de sua vida, que hoje não lembro nada.

Chegamos num pequeno bar muito lotado, ela se sentou junto ao balcão e permaneceu calada, puxei alguns assuntos e apenas monossílabos da parte dela. O saquê me deixou um pouco alto e junto com a cerveja daquele apertado bar a vista começou a ficar turva. O silêncio de Cláudia me angustiou.

Nos despedimos às três da manhã. A lembrança que tenho são suas franzinas pernas descendo a calçada. Cláudia virou na esquina e sumiu.

05 setembro 2010

Disforme

No meio do salão de festas estava a última cadeira de um prédio abandonado. A jovem mulher de cabelos castanhos sabia que o seu vazio se encontrava muito além daquelas paredes frias e destruídas pelo tempo. A visita durou pouco menos de cinco minutos. Ela foi embora.

A incompreensão do próprio passado distorceu todas as lembranças. Uma confusão de todos os seus atos percorreu sua mente, parecia que nada lhe escapava e todos os seus erros mergulharam sua alma num poço de desespero.

Era preciso resistir.

Numa ilha distante ela se isolou e escreveu suas memórias.

Num sonho encontrou o beijo que sempre quis.