25 maio 2013

Elefante Vermelho

Recentemente, o ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, foi o entrevistado do programa Roda Viva na TV Cultura e lá foi questionado sobre os estádios para a Copa do Mundo nas cidades de Manaus e Cuiabá, o questionamento se referiu principalmente à necessidade de possuir estádios modernos (diga-se padrão FIFA) em cidades cujo futebol local possui pouca expressividade no país, pois seus clubes jogam apenas a quarta divisão do Brasileirão.

Os estádios de Manaus e Cuiabá já são considerados por muita gente Brasil afora como verdadeiros elefantes brancos.

A resposta de Aldo, num viés de nacionalismo e integração nacional, foi mostrar que cidades da Amazônia e Pantanal merecem ver jogos da Copa e que isso não precisa ser privilégio apenas da região sul e sudeste, pois tal privilégio poderia até caracterizar preconceito. O ministro salientou também que esses novos estádios também serão arenas multiuso, o que levará mais espetáculos a essas cidades e com isso movimentá-las culturalmente e financeiramente.

Analisemos.

Fui criado em Manaus, sou apaxionado por futebol e durante a minha infância e adolescência assisti a três Copas do Mundo (82, 86 e 90), todas pela TV (com narração de Luciano do Vale, Osmar Santos e Galvão Bueno, respectivamente). Lembro que minha mãe sempre trocava a TV de casa por uma nova na época da Copa. Vimos o Caniggia receber o passe do Maradona e reforçar o nosso fiasco na Itália num aparelho Sharp de 20 polegadas. Alimentei desde criança um grande sonho de um dia poder ver uma Copa ao vivo.

Hoje moro em São Paulo, privilegiado por estádios e clubes de expressão, e caso tudo der certo (dinheiro, diponibilidade de ingresso e eu permanecer vivo até lá) realizarei o sonho de infância utilizando meu bilhete único no metrô. E se tudo der mais certo ainda ($$) farei questão de ver um jogo da Copa no Vivaldão (ops, Arena Amazõnia, que é, argh, um nome escroto, burguês, importação medíocre, etc, etc, etc).

Depois de tantos parênteses, o que eu quero dizer é que concordo com Aldo Rebelo de que sim, essas cidades, independentemente do que representa seu futebol no país, devem receber jogos da Copa, em 2014 um adolescente de 15 anos poderá ter acesso a isso em Manaus, coisa que eu não tive, fico feliz por ele e por esse Brasil mais democrático e igualitário que vem sendo construído nos últimos 10 anos.

Agora, o que eu não concordo é que essas vantagens apontadas por Aldo maquiem problemas crônicos que a realização dessa Copa está nos trazendo. O ministro, assim como eu, é do PC do B, partido da base do governo federal, portanto um militante com pensamentos progressistas, somos responsáveis por uma análise crítica e precisa dos fatos. A defesa de Aldo de que a Copa é importante para o país por X e Y deveria seguir junto com um ataque reconhecendo que as propostas de modificações urbanísticas, principalmente de mobilidade urbana, foram jogadas no lixo.

E o meio? O meio de campo é a ação da política, onde a disputa é mais delicada. O trabalho do ministro Aldo tem sido exemplar, acredito que sua força política tenha feito valer muitos dos interesses do país e ele busca muito isso em suas ações. Os problemas no nosso país não são os elefantes, assim como também não são os tomates, temos que enxergar aqueles seres invisíveis que apenas desejam se beneficiar de obras públicas sem a compreensão de que o termo 'público' deve ir na direção de um coletivo e não somente de privilegiados.

Sem dúvida alguma eu ficaria muito mais feliz que o adolescente de 15 anos de idade em Manaus utilizasse um transporte público muito melhor do que eu usava em 1990, mas por lá pouca coisa mudou. Troco isso por qualquer estádio ou copa do mundo. Em Manaus será feriado em dias dos jogos da Copa, isso é uma vergonha!

Um bando de abutres que também são conhecidos como empreiteiros, viram na Copa do Mundo um único objetivo: enriquecer de forma grosseira e indigesta. Muito se falou que teríamos um legado urbanístico como Barcelona, Sindey e outras cidades e países que receberam competições como Copa e Olímpiada. Cadê?

Os estádios serão elefantes brancos não por conta do futebol praticado em Cuiabá e Manaus. E sim por conta de que eles foram construídos para não somente agradar o padrão FIFA, mas também os bolsos de construtoras e investidores da construção que caíram como abutres nos orçamentos superfaturados para essas construções.

Poderíamos ter estádios mais modestos e eficientes, que após a Copa atendessem perfeitamente às realidades locais, seja para futebol, seja para eventos. Não sou contra pessoas ganharem dinheiro. Sim, a vinda da Copa seria para favorecer economicamente profissionais da construção, mas também para favorecer socialmente as populações das localidades, o momento do ps nos permitiria mostrar a força econômica agregada a uma vontade política popular e social.

Mas vontade política parece não ganhar força quando culturalmente vivemos sob o individualismo e consumismo agressivos.

Precisamos de um elefante vermelho que realmente incomode aqueles que enxergam apenas seu próprio umbigo.

19 maio 2013

Nuvem

O desejo mais imediato naquela rodoviária é abandonar as suas pesadas malas. Duas valises cheias de esperança, mas que talvez o melhor destino para elas não é o mesmo que o seu.

Roberta se desloca para um lugar à beira-mar e suas malas não precisam ir. Há meses percorrendo diversos lugares, ela lembra que chegou naquela cidade por acaso e que todos os acasos que viveu ali durante vinte dias foram felizes e intensos, o que pra ela é muito importante.

É preciso seguir...

E por que diabos as suas malas só cresciam?

O ônibus parti em alguns minutos e Roberta gosta da sensação de não ter ninguém para lhe dizer tchau. Uma sensação boa. Pensa o quanto é difícil se desfazer tão rapidamente de duas malas grandes e volumosas.

Com o desespero de que não gostaria de resolver o problema de suas malas junto ao mar, Roberta surta e desfere chutes fortes nessas malditas malas. Muita raiva.

Obviamente isso chama a atenção de pessoas na rodoviária, algumas soltam risadinhas. Um segurança se aproxima e pergunta se está tudo bem. Sem responder, ela recolhe as malas, vai à plataforma e as despacha no bagageiro do ônibus que a levará ao mar.

Roberta encosta sua cabeça na poltrona sem o alívio que desejava. Pelo menos um novo destino desconhecido irá lhe sorrir daqui a 15 horas.   

18 maio 2013

A surdez de nossos semelhantes

Sua amiga telefonou e informou que o atraso seria de trinta minutos. Estava muito calor e ela atravessou a rua, onde um pequeno restaurante de comida caseira saciaria a sua fome. Mas era a dor em seu ombro direito que precisava passar, até aquele momento nenhum relaxante muscular nem remédio para dor conseguira aliviá-la. Merda! ela pensou, seus 28 anos de idade pareciam ser os últimos de sua vida.

O frango grelhado com arroz e feijão veio bem saboroso. A salada era pobre, mas o tomate era incrivelmente vermelho. Na mesa à sua frente duas amigas com uniforme de administrativo de hospital conversavam euforicamente. Ao ouvir essa conversa com mais atenção, ela percebeu que pareciam falar de pousadas ou hospedagens, pensou que se tratava de alguma viagem, mas à medida que raspava o prato de comida caseira foi percebendo algo mais cruel.

As duas mulheres, ambas na faixa dos 40 anos, debatiam sobre lar de idosos, nitidamente para hospedar o parente de uma delas. O suor nas axilas pareciam mais úmidos e a dor no ombro estalava. Inconformada com a frieza com que as mulheres ao seu lado conversavam sobre o assunto, ela as chamou e ao se virarem perguntou:

- Desculpe a intromissão, mas em algum momento vocês se colocaram no lugar desta senhora?

Um silêncio estranho flutuou entre as três mulheres, e a resposta veio seca:

- Este assunto não é da sua conta.

As amigas se levantaram apressadamente, dirigiram-se ao caixa e sumiram na rua.

Ao menos a dor do estômago estava aliviada, mas a dor no ombro se encontrava agora acompanhada da dor da indiferença. Desejou ser surda ou ao menos mais indiferente a tudo ao seu redor. Sua amiga chegou mais atrasada do que havia prometido e foram às compras.