29 julho 2013

Onde estará Vincent Vega?


"Eu não consigo ver o suor em seus ombros, eles apenas me desafiam"

Foi isso que ele falou no ouvido dela enquanto caminhavam pelas ruas planas da zona leste numa noite quente de inverno. Ela não respondeu nada, seu silêncio era a sua arma e no fundo de sua alma a impaciência lhe formigava o fígado.

Desde que deixaram o metrô para trás e buscavam o mais rápido possível chegar ao apartamento de uma tal Renata, ela não compreendia mais o sentido daquela companhia, o suor ensopando sua camiseta lisa e o cara veio falar dos seus ombros, que ela os considera muito feios. Genética, herdou da mãe, da vó e de muita gente.

Uma camiseta causou a aproximação. Que raiva hoje ela sente desse seu passado de camisetas que precisavam significar alguma coisa. Num boteco de cerveja barata e pessoas interessantes ele perguntou a ela: "silk and the banshees, é um trocadilho bem infame na sua camiseta, não é?". Hoje ela não entende porque isso a conquistou.

Renata era o limite. Com o suor escorrendo pela nuca ela se recusaria a entrar naquela reunião idiota de amigos e diria a ele que acabou. Chega!

O fígado pedia para ser massacrado, o alívio nas suas entranhas exigia beber até a noite nunca acabar. Percorreu seus guetos e suou dançando, suou conversando com amigos e amigas, amanheceu suada. Enfim, o dia seguinte.

Ficou nua em frente ao espelho, cambaleando e com o mundo girando ao seu redor. Tentou, tentou e tentou ver algum charme em seus ombros ossudos. Bêbada, jamais discerniria alguma coisa, apenas sabia que seus pés eram fantásticos e desejou uma massagem.

Sonhou com Mia Wallace.

20 julho 2013

Compreender o que é a Militancia no Século XXI



O companheiro Mário novamente nos lançou uma colaboração importante para reflexão nesses dias que vivemos, o seu texto “Quemtem medo do novo” traz elementos que podem fincar certas bases para aprimorarmos o pensamento. Iniciarei com um desabafo que pode me custar muitas críticas, mas prefiro, nesse momento, ser bem sincero.

Não sou entusiasta das manifestações. Também não condeno a ida às ruas. Melhor transporte público, melhor saúde, melhor educação, menos privatizações, também é ÓBVIO que sou a favor dessas reinvindicações. E me diga, quem não é? Ah, os governantes corruptos, os capitalistas de direita, os grandes grupos de comunicação, sim, sim e sim. Pois bem, vivemos mesmo uma luta ideologicamente dialética?

Falta-me entusiasmo por uma simples falta de identificação, apesar de que OBVIAMENTE me identifico com as reinvindicações. O motivo também não é o “medo do novo”, quem me conhece mais de perto sabe o quanto sou muito ligado à juventude, principalmente na área cultural. Inclusive, enquanto muitos criticam as novas gerações, eu apoio e as compreendo, enxergo que a tecnologia e o seu pensamento menos estanque em conceitos predefinidos leva essa juventude a ser mais incisiva em suas colocações.

A falta de identificação vem porque acredito que estamos num processo lento, repito: LENTO de transformações profundas nesse país. Lutei muito para que 2002 fosse um ano realmente de virada histórica para o Brasil, e foi! E minha luta não estava baseada em ideais perfeitos, cheios de éticas inabaláveis ou romanticamente revolucionários, estava baseada no sentimento de que precisávamos começar a transformação. Já disse diversas vezes: a minha admiração pelo Lula não vem porque ele salvou esse país, ele apenas começou o processo, nada está salvo e precisamos compreender que continuamos sendo um país pobre!

Além de pobre temos dois canceres: corrupção e cultural neoliberal. Ambos estão fincados culturalmente, ou melhor, ideologicamente, nos cidadãos. Fala-se em corrupção dos governantes, mas no seio da população todos nós alimentamos o caixa dois de redes capitalistas, de traficantes de maconha (sou a favor da legalização), de mafiosos da pirataria e buscamos sonegar impostos quando podemos. A cultura neoliberal do estado mínimo está no constante discurso de que o Estado e a política atrapalham o cotidiano, aí surgem os discursos que não tem investimento pra educação, saúde, bla bla bla.

Além dos cânceres corrupção e cultura neoliberal, precisamos frear o monstro consumista, a cultura do ter e somente ter. A economia brasileira se fortaleceu nos últimos dez anos e nos levou a comprar mais e alargar os mercados internacionais de atuação do país, porém culturalmente pouco avançamos, e os conceitos de cidadania, de bens públicos e de coletividade se perdem cada vez mais. Se o capitalismo está em crise, o seu legado tem sido o individualismo cada vez mais agressivo.

Como muitos compreendem a justiça nos dias de hoje? Compreendem que se eu tenho algo, ninguém tem o direito de tirar de mim. Eu, particularmente, compreendo justiça como ninguém ter a necessidade de ter que tirar algo de alguém. É óbvio que jamais teremos uma sociedade 100% livre de assaltos ou roubos, mas a justiça precisa estar direcionada às causas das desigualdades sociais, que hoje é gerada pela cultura consumista.

Daí vem a minha única divergência ao texto do companheiro Mário, não considero que “uma consciência nova, anticapitalista” está se formando. Enxergo exatamente o contrário, é justamente a consciência capitalista do consumo, do real conhecimento das relações produto-consumidor, que está gerando insatisfação generalizada. Os cidadãos desejam consumir com qualidade. Não está em debate como construir um Estado forte e capaz de dar conta do nosso crescimento e demandas políticas e sociais, está em debate apenas a crítica, a insatisfação consumista. E pior: como se as nossas carências não fossem históricas.

Sugiro a leitura do seguinte artigo escrito por Wolfgang Streeck publicado na edição 79 da revista Piauí: clique aqui.

Volto a dar as mãos ao Mário na sua reflexão do papel de um partido comunista. Sim, um verdadeiro partido comunista deve ser o responsável em fertilizar o NOVO. Esse NOVO não está integralmente nas manifestações recentes, está apenas em parte, e precisamos compreender melhor o que é o NOVO no momento em que o país se encontra, no momento em que um processo de transformações está em curso, longe de estar consolidado e que está sendo duramente atacado e minado pelos mais diversos setores da sociedade, incluindo aí não as manifestações em si, mas suas nocivas reverberações.

Ao escrever a frase “parece que sua experiência [do PC do B] não foi suficiente para entender seu papel” no projeto de reformas do governo do PT nos últimos dez anos, Mário traz uma observação rica e concisamente importante. Não entrarei na questão que o Mário comentou sobre a opção pela socialdemocracia do partido, mas apenas observarei que a fertilização do novo não surge em função da não compreensão de uma participação histórica e que atualmente se faz necessária pela nítida falta de uma força à esquerda da própria esquerda no país.

“Sem o vigor e a virilidade de outrora”: novamente Mário nos coloca uma impotência de nosso partido, este que deveria estar à frente dessa força à esquerda que precisamos. Como eu disse acima, vivemos um momento de transformações que sim, como nunca antes na história desse país, são progressistas e que precisam se manter para que avancemos principalmente em soberania. As ruas mostraram que há insatisfação para avançarmos mais e mais rapidamente, só que defendo o pensamento de que o processo é lento e que a necessidade urgente é o empurrão à esquerda.

Esse movimento precisa se dar com a fortificação do nosso partido, historicamente compromissado com essa ação. E o movimento é renovar suas fileiras, compreender detidamente o que significa uma militância no século XXI, compreender mais de perto a comunicação mais adequada com os trabalhadores e mais, com os microempresários, pequenos produtores agrícolas, trabalhadores informais e os autônomos. Precisamos ir além dos sindicatos, centros acadêmicos, grêmios estudantis e lideranças comunitárias. Precisamos compreender que a nossa comunicação deve estar relacionada com as tecnologias, os debates virtuais e a multiplicidade de opiniões.

Reforço que o papel do partido precisa estar fortificado na sua comunicação, que é por onde passa o trem da História atualmente, e que segundo o companheiro Mário, parece que estamos perdendo, concluo que ainda não, até mesmo porque hoje a analogia mais adequada para o transporte da História é o avião, cuja decolagem precisa obviamente de um piloto, apenas precisamos do brevê e assumir a cabine antes da decolagem, assumir como verdadeiros militantes!

03 julho 2013

Estado e Comunicação

O texto aqui surge da reflexão sobre a necessidade de uma compreensão do papel do Estado nos dias atuais, e como isso evidencia a luta de classes e pode, com mecanismos de comunicação, aprimorar a organização dos trabalhadores. A referência é o livro de Lenin “O Estado e a Revolução”, por um lado como uma lanterna que ilumina o caminho para uma clareza dos conceitos fundamentais e assim fortalecer as bases do conhecimento do Estado, e por outro lado num aspecto mais crítico a essa obra em função de se abrir o debate para a realidade do século XXI. Iniciarei com o trecho de uma carta de Marx que é citada por Lenin nesse livro:

“O que eu fiz de novo consiste na demonstração seguinte: 1º que a existência das classes só se prende a certas batalhas históricas relacionadas com o desenvolvimento da produção; 2º que a luta das classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3º que essa própria ditadura é apenas a transição para a supressão de todas as classes e para a formação de uma sociedade sem classes.”

A análise de Lenin sobre essa passagem é interessante, ele destaca que a luta de classes não é o essencial do pensamento de Marx, até mesmo porque isso já havia sido desenvolvido por pensadores anteriores. Lenin destaca o seguinte:

“Quem só reconhece a luta de classes não é ainda marxista e pode muito bem não sair dos quadros do pensamento burguês e da política burguesa. Limitar o marxismo à luta de classes é truncá-lo, reduzi-lo ao que é aceitável para a burguesia. Só é marxista aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado. A diferença mais profunda ente o marxista e o pequeno (ou grande) burguês ordinário está aí. É sobre essa pedra de toque que é preciso experimentar a compreensão efetiva do marxismo e a adesão ao marxismo.”

Pois bem, vivemos atualmente em uma luta de classes e o caminho precisa ser direcionado à ditadura do proletariado, não temos as condições para a eliminação direta das classes e conforme exposto por Marx, isto seria uma terceira etapa exatamente sob a ditadura do proletariado. Faço inicialmente uma provocação: levando-se em conta a cultura capitalista imersa nos valores contemporâneos, sobre quais bases um marxista, por meio de um processo de comunicação, aproxima-se de um trabalhador assalariado comum e lhe orienta sobre a luta de classes vivida por todos nós e que, ao contrário do que esse trabalhador possa imaginar, o caminho para uma sociedade justa não passa pelo seu desejo de ascensão social, e que ele deverá fazer parte de uma revolução?

Obviamente que um marxista não é um pregador de praça pública, se bem que isso também pode ser necessário, mas a trajetória dos marxistas atualmente é pela sua organização, há um partido com uma orientação para a constituição da vanguarda que deverá conduzir os trabalhadores assalariados comuns para a revolução, para o caminho do socialismo. Assim, meu ponto de vista é que a comunicação socialista precisa ampliar para junto dos trabalhadores a compreensão do que é um Estado e como uma cidadania progressista estimula a vontade de participação e aí sim abrir caminhos para quais transformações, ou revoluções, podem realmente ser estabelecidas.

Segundo Lenin, há dois processos no caminho para o Estado sem classes, o que na verdade seria um não-Estado, pois o Estado existe como instrumento de opressão de uma classe sobre a outra, extingue-se as classes, o Estado perde sua função. O primeiro processo é a necessidade de uma revolução violenta para derrubar o Estado burguês ou capitalista; o segundo é o definhamento do Estado proletário ou ditadura do proletariado. A condução dos dois processos está nas mãos do proletariado ou classe trabalhadora. Lenin diz:

“A substituição do Estado burguês pelo Estado proletário não é possível sem uma revolução violenta. A abolição do Estado proletário, isto é, a abolição de todo e qualquer Estado, só é possível pelo ‘definhamento’”

Lanço outra provocação: será que a nossa comunicação está dando conta de deixar claro o significado desses dois processos (revolução violenta e definhamento)? Como adaptamos esses dois estágios para os dias atuais? O ponto de partida é a organização dos trabalhadores assalariados, incluindo aí autônomos e trabalhadores que possuem seus próprios negócios em escalas bem menores do que dos grandes capitalistas. Essa organização passa pela comunicação, fazer com que esses trabalhadores compreendam primeiramente a qual classe pertencem, como o Estado atual é opressor e por fim o seu papel como classe.

Eis que surge uma dificuldade, os valores da sociedade capitalista e de consumo, reforçados pelo neoliberalismo, leva ao individualismo mais agressivo, aquele em que o indivíduo se vê como não relacionado diretamente ao Estado, pois este se ausentou de um papel preponderante na sua formação; temos saúde, educação e lazer como bens privados, como mercadorias. O Estado se faz presente para esse indivíduo de formação capitalista apenas para a sua segurança, que nos dias de hoje, em especial no Brasil, recebe fortes críticas.

Outro aspecto que lança os cidadãos contra o Estado são os impostos, é quase senso comum que a carga tributária é abusiva e as pessoas gostariam muito de se afastar de suas relações com o Estado por conta dessa carga. Ainda segundo esses valores, o Estado não é reconhecido como um instrumento de opressão, pelo contrário, é visto como uma instituição fraca e que cada indivíduo é capaz de sobreviver sem ele. Ironicamente, há o sentimento em alguns cidadãos de que não há necessidade de viver com a presença de um Estado, sendo preferível sem ele e com os recursos capitalistas necessários.

O Estado oprime principalmente por conta de suas relações econômicas, pois faz assegurar os valores capitalistas que formam culturalmente o indivíduo, vivemos uma opressão cultural, norteada expressivamente pelo consumismo; “eu posso ter”, “eu posso pagar”. Quando Lenin fala de uma substituição violenta, enxergo que hoje isso não passaria necessariamente por armas e mortes, e sim excluir consideravelmente o apego ao consumismo. A luta hoje é ideológica e as armas são os mecanismos de comunicação.

A comunicação deve seguir o caminho para expor uma real compreensão da máquina do Estado nos dias de hoje. Lenin cita a máquina composta por uma burocracia administrativa e um exército permanente, que possuem o objetivo de defender os interesses da classe opressora. A revolução, segundo ele, visa destruir essa máquina e substituí-la por uma nova com a classe trabalhadora à frente. Acrescento que atualmente essa máquina possui ainda os meios de comunicação junto a ela, estes defendem os interesses lançando uma cruzada ideológica do individualismo, do consumismo e da vitória do capitalismo, quando bem sabemos que o sistema capitalista vive uma crise sem saída.

Lenin diz:

“É precisamente a pequena burguesia que se deixa atrair pela grande burguesia e subordinar-se a ela, graças a esse aparelho que dá ás camadas superiores do campesinato, dos pequenos artesãos, dos comerciantes, etc., empregos relativamente cômodos, tranquilos e honoríficos, cujos titulares se elevam acima do povo.”

Precisamos romper esse elo de atração, que hoje é fortificado ideologicamente pelos prazeres do capitalismo que, segundo a burguesia, venceu e se solidificou como modelo, ideologicamente o espaço para o socialismo está sendo minado. Antes de avançarmos na transformação do Estado há uma necessidade de vencer a luta ideológica. Como enxergo o caminho para a luta? Começarei novamente citando Lenin:

“A revolução capaz de arrastar a maioria do movimento só poderia ser “popular” com a condição de englobar o proletariado e os camponeses. Essas duas classes constituíam, então, ‘o povo’. Essas duas classes são solidárias, visto que a ‘máquina burocrática e militar do Estado’ as oprime, as esmaga e as explora. [...] sem essa aliança não há democracia sólida nem transformação social possível.”

O caminho se abre quando iniciarmos a verdadeira solidariedade entre as classes, quando for possível a compreensão, pelo próprio conjunto dos trabalhadores, de que eles formam um ‘povo’, e que essa constituição passa por um comprometimento solidário de classe. Nos dias atuais temos o contrário, não se busca uma solidariedade em função de um bem comum, a resolução dos problemas mais imediatos parece constituir a única pauta entre os trabalhadores, que enxergo como um reflexo direto da cultura consumista comentada mais acima. Como nos adverte Lenin, precisamos fortalecer essa aliança entre o conjunto de trabalhadores.

Mas qual comunicação é possível? Eis o nosso desafio como marxistas, por um lado é mais do que necessário um domínio de tecnologia, reconhecer que uma geração inteira está crescendo para tocar uma tela muito mais do que escrever num papel. Por outro lado, aprimorar e renovar os termos buscando uma melhor compreensão de conceitos fundamentais, entre eles o papel do Estado no século XXI, suas características primordiais, sua relação com o indivíduo culturalmente formado sob o capitalismo mais agressivo.

Para isso, o desafio nos lança para a nossa capacidade de organização, reunião de discussões capazes de promover o sentimento de reflexão e participação. Visando a reunião solidária dos trabalhadores, precisamos debater amplamente o Estado, suas constituições e instituições, e por quais mecanismos ele opera junto aos cidadãos. Precisamos buscar os meios para potencializar os encontros e as exposições. Não podemos ficar parados para incentivar apenas a agitação política, precisamos reunir, aglutinar para conversar e lidar com as contradições.

Vivemos numa sociedade da informação, estarmos intrinsecamente envolvidos com as suas próprias necessidades nos levará a ter mais armas para a luta. A derrubada violenta prevista por Lenin se concretizará quando fizermos cair as barreiras da ideologia capitalista cravadas atualmente na cultura e na informação. Devemos partir para dentro dos valores consumistas e miná-los por meio das nossas armas da comunicação. Precisamos nos preparar adequadamente.